Pela leitura do estudo Hypercluster da Economia do Mar, coordenado por Ernâni Lopes (SAER, 2009) iniciei uma procura pelo tema mar na poesia portuguesa. A procura e colheita de poemas que tinham o mar como tema decorreu sem elaboração cronológica, não se havendo divido os achados por meio das épocas históricas e literárias. Este desgarramento cronológico tendia a mostrar mais facilmente os aspetos poéticos intrínsecos à temática mar, evidenciando assim o seu espaço metafórico, talvez homogéneo e atemporal. Não se tratava, pois, de um estudo de História, mas querendo cumprir a curiosidade de uma possível poética da temática mar, queria concretizá-la além das caraterísticas epocais e apenas considerando as experiências dos autores. E, de facto, a partir dos primeiros poemas recolhidos começou a ser notório que, no expressar o tema, convivia-se num universo homogéneo de referenciação, apesar da diversidade das abordagens e das épocas.
O dizer poético acerca do mar trata de configurar uma subjetiva cartografia, a constante elaboração do registo poético, isto é, mapear a humanidade no seu sujeito e cônscio ser. Interessava considerar este tema, ainda não para a elaboração de uma eventual História da poesia com o mar em cenário, mas para salientar o simbólico a partir do mar e relativo ao humano, descortinar uma semântica das experiências, dos acontecimentos estruturantes da vida, enfim, uma cartografia da consciência pela temática. A auto-reflexão vocacionada pelo mar na poesia permite distinguir, em primeiro lugar, uma esfera de experienciação, em segundo lugar, a demanda profunda da existência humana, em terceiro lugar, o cultivo de sua consciência, e, em quarto lugar, uma relação com o transcendente.
Através do mar como objeto de contemplação ele é indiciador de perfeição, como no caso de Eugénio de Andrade (Assírio & Alvim, 2012-1951),
O mar volta a ser pequeno é meu,
anémona perfeita, abrindo-nos nos meus dedos.
É também marca indelével que estabelece na relação humana, pois entre outros motivos, por causa do mar e da diferença a que nos expõe sucede a metamorfose pela viagem. Neste caso, pelas palavras de Sophia Mello Breyner (Caminho, 2011-1988):
Viu pérolas safiras e corais
E a grande noite parada e transparente
Viu cidades nações viu passar gente
De leve passo e gestos musicais
Perfumes e tempero descobriu
E danças moduladas por vestidos
Sedosos flutuantes e compridos
E outro nasceu de tudo quanto viu.
Esta distância que o mar abre para nós como espaço de realização é celebrada por Vergílio Ferreira como uma das caraterísticas mais fundas da nacionalidade. Sendo o mar o nosso maior património material e fonte maior do nosso património cultural, com Virgílio Ferreira (Bertrand, 1999-1991) esta magnitude também está ínsita na nossa própria língua:
Uma língua é o lugar donde se vê o Mundo e em que se
traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua
vê-se o mar. (…) Por isso a voz do mar foi a da nossa
inquietação.
O mar vincula a nossa caraterística identitária com a profundidade e vastidão da nossa história, vincula a nossa visibilidade e a nossa inquietação. E, enquanto é suscitada a ideia de perfeição nos autores por consideração poética, também representam-se por meio do tema mar as humanas dinâmicas, metamorfoses e seus limítrofes, pois como nos diz Armando Côrtes-Rodrigues (Ilha Nova, 1987):
(…) Neste destino que nos liga, ó MAR !
O mesmo ardor, o mesmo sofrimento,
A mesma inquietação, que não é sem par,
(…) A mesma mansidão adormecida,
A mesma ansiedade renascida
No incessante ardor do coração. (…)
Pretende-se, após esta breve introdução, dar continuidade a um conjunto de artigos, explanando o referido, através de algumas séries de acontecimentos, sentimentos e reflexões que o mar proporcionou aos poetas.
“… através de algumas séries de acontecimentos, sentimentos e reflexões que o mar proporcionou aos poetas.”
Cuando dices “aos poetas … ” ¿vas a incluir una auto-reflexion?
Así lo espero.