ARRIBADAS FORÇADAS

Vamos hoje continuar a falar das operações marítimas, desta vez com um último tema, as arribadas forçadas e terminaremos as operações marítimas.

Começaremos como é hábito por dar uma noção, de seguida passamos para a abordagem internacional e na edição do próximo mês do Jornal iremos falar da legislação nacional sobre esta matéria.

Arribadas são entradas em portos ou outro lugar desde que distinto dos determinados na viagem do navio. Pode ser numa baía, uma enseada onde o navio se abriga, pode também ser no porto de embarque onde retarda a sua saída, no porto de escala anterior ou no porto de destino se tiver sacrificado algum porto de escala para arribar (Januário Costa Gomes).

Existem dois tipos de arribadas a voluntária e a forçada. A primeira decorre de um mero capricho do capitão ou deste e dos seus tripulantes (Cunha Gonçalves). A título de exemplo navio atraca num porto não incluído na sua rota para irem buscar ou deixar alguém da tripulação ou mero passageiro ou para irem ver um jogo num bar local. A segunda, a arribada forçada, decorre de um caso fortuito ou de força maior como seja falta de combustível, inavegabilidade do navio na decorrência de acidente, ou para se furtar a uma perseguição de piratas/ou inimigos.

A arribada voluntária dá sempre lugar ao pagamento de indemnizações aos lesados, donos de carga e/ou carregadores, pelo capitão do navio e proprietário do navio.

A arribada forçada tem de ser necessária ao bom êxito da expedição marítima para ser considerada justificada caso contrário é injustificada dará também lugar ao pagamento de indemnizações aos prejudicados (donos de carga ou aos carregadores) pelo capitão e dono do navio, pela decisão de arribar sem justificação. Exemplos de arribada não justificada são: a falta de combustível por não se ter feito a provisão necessária para a viagem; falta de comida por ter-se estragado devido a mau acondicionamento ou arrumação, o mesmo quando à agua; se a inavegabilidade do navio decorrer de má reparação, de má arrumação da carga, de falta de equipagem e; se o temor de inimigo ou pirata não for fundado em factos reais.

São pelo contrário arribadas forçadas justificadas: a falta de víveres, aguada ou combustível; o temor fundado de inimigos e; qualquer acidente que inabilite o navio de continuar a navegação.

Se a arribada forçada não for determinada pela salvação comum do navio ou da carga é considerada uma avaria particular, é o caso da arribada forçada originada pela falta de combustível.

Mas se pelo contrário a falta de combustível decorrer de alijamento; quando o terror dos inimigos for fundado numa efectiva perseguição de um navio de guerra inimigo ao qual só se pode escapar entrando num porto neutro ou num porto nacional armado; quando o navio se inabilitar a prosseguir viagem por um acto voluntário de salvação comum, então a arribada forçada é legítima e constitui também uma avaria comum.

Sendo a arribada forçada considerada uma avaria comum (ou avaria grossa) aplica-se o regime específico desta nacional ou internacional já abordado em edições anteriores do Jornal sobre avarias marítimas e que se aconselha a leitura para melhor entendimento da arribada forçada como avaria grossa.

As partes podem acordar a aplicação das Regras de Iorque-Antuérpia sobre avarias, incorporando-as no contrato de fretamento, na “bill of lading” (conhecimento de embarque ou conhecimento de carga) e/ou no contrato de transporte marítimo, uma vez que não se trata de uma Convenção.

Aplicando-se estas Regras as despesas decorrentes da arribada forçada serão permitidas como avaria grossa, mas não todas. Vejamos quais:

  • As despesas de entrada do navio num porto ou lugar de refúgio quando a entrada seja consequência de um acidente, sacrifício ou outras circunstâncias extraordinárias que tornem a entrada forçada necessária poderão ser permitidas como avaria grossa. (Regra X (a) (i))
  • O mesmo acontecendo com as despesas de regresso ao porto ou lugar de carregamento, desde que dentro dos mesmos pressupostos. (Regra X (a) (i))
  • As despesas provenientes da saída do navio a partir desse porto ou lugar de refúgio após entrada ou retorno, com toda ou parte da carga inicial, também poderão ser admitidas como avaria grossa. (Regra X (a) (i)).

Não é avaria grossa a situação em que um navio não avariado procura um porto ou lugar de abrigo apenas para evitar uma provável tempestade ou vento muito forte. Contudo se tiver ocorrido algo que tenha posto em perigo o navio ou a carga já estaremos perante uma avaria grossa.

  • Se houver necessidade de o navio que está num porto ou local de refúgio ser removido para outro porto ou local de refúgio para serem feitas reparações, essas despesas serão tidas como avaria grossa, diga-se as reparações provisórias e o reboque. Desde que portanto o navio siga viagem (Regra X (a) (ii))
  • Caso a viagem se prolongue devido à remoção do navio do porto as despesas decorrentes dessa remoção também são tidas como avaria grossa. (Regra X (a) (ii)
  • O custo de manutenção a bordo ou de desembarque da carga, combustível e provisões num porto ou lugar de refúgio poderão ser permitidas como avaria grossa quando a manutenção ou desembarque tiverem sido necessários para a segurança comum ou para permitir a reparação de danos sofridos pelo navio, em consequência de sacrifício ou acidente, na medida em que essa reparação seja necessária para a prossecução da viagem em segurança. (Regra X (b) (i))
  • Ficam de fora os casos em que o dano sofrido pelo navio seja descoberto num porto ou lugar de carregamento ou de escala, sem que tenha havido acidente ou outras circunstâncias extraordinárias associadas ao dano que tenham ocorrido durante a viagem. (Regra X (b) (i))
  • Ficam também de fora as despesas que constam da alínea 6) quando tenham tido lugar apenas com o propósito de nova estiva, em consequência das deslocações normais ocorridas durante a viagem, a menos que essa nova estiva seja necessária para a segurança comum, nesse caso serão admitidas como avaria grossa. (Regra X (b) (ii))
  • Sendo o custo da manutenção ou desembarque da carga, combustível ou provisões permitidos como avaria grossa, os custos de armazenamento, incluindo seguro (desde que razoável), com o novo carregamento e estiva dessa carga, combustível ou provisões, poderão ser também permitidas como avaria grossa. (Regra X (c)).
  • O mesmo com o período extra ocasionado pelo novo carregamento e nova estiva, essa despesa também é admitida como avaria grossa, sendo neste caso de aplicar a Regra XI. (Regra X (c)).
  • Contudo no caso em que o navio esteja condenado ou que não continue a viagem inicial, essas despesas de armazenamento só são permitidas como avaria grossa até à data da condenação do navio, ou seja até à data em que é estabelecido que o navio é comercialmente irreparável, ou do abandono da viagem ou até à data em que se completou a descarga, quando a condenação ou abandono sejam anteriores. (Regra X (c)).
  • Os salários da tripulação, a manutenção do capitão, oficiais e da tripulação (quando razoáveis), outras despesas no porto de refúgio, bem como o combustível e taxas portuárias ocorridos durante o prolongamento da viagem ocasionado por o navio ter entrado num porto ou lugar de refúgio ou por ter regressado ao seu porto ou local de carregamento serão tidos como avaria grossa quando as despesas de entrada nesse porto ou lugar sejam permitidas como avaria grossa, de acordo com a Regra X (a). (Regra XI (a)).
  • As despesas de entrada e permanência de navio em porto ou local de refúgio em consequência de acidente, de sacrifício ou circunstância extraordinária que tenham sido necessárias para a segurança comum do navio e da carga e as despesas de reparação do navio que sejam necessárias para que o navio prossiga com segurança a viagem também são admitidas como avaria grossa. O mesmo quanto ao salário do capitão, oficiais e tripulação, incorridos durante esse período extra, bem como quanto ao combustível nas reparações e o armazenamento e as taxas portuárias, são também admitidas como avaria grossa. (Regra XI (b).

Verificamos portanto que quase todas as despesas decorrentes da arribada forçada em avaria grossa são passíveis de ser pagas por todos os intervenientes na viagem marítima, proprietário do navio e proprietários da carga e/ou respectivos seguros.

É de referir que a expressão “local de refúgio” usada nas Regras Iorque-Antuérpia designa uma realidade que está associada à segurança da navegação e à protecção do ambiente.

Ao falar de locais de refugio neste contexto das Regras temos de falar do caso “Castor” que ocorreu em 2000, o navio que se encontrava a navegar no Mediterrâneo, pediu, sucessivamente para entrar nas águas de 5 Estados Mediterrânicos, para realizar um transbordo de carga de gasolina, mas foi recusado a entrada pelos 5 Estados, cada um invocando regras de segurança e de salvaguarda do ambiente. Face às recusas o navio acabou por ser rebocado para o alto mar para ser efectivado o transbordo dessa carga.

Outro caso mais recente foi o do “Prestige”, que todos conhecemos mais ou menos dada a cobertura jornalística que teve, cuja catástrofe poderia ter sido evitada se o navio tivesse sido recebido num porto ou lugar de refúgio onde pudesse ser retirada a carga perigosa o que não aconteceu, todos os portos recusaram alegando regras de segurança e de salvaguarda do ambiente.

Existe portanto quanto aos locais de refúgio um equilíbrio difícil entre a segurança da navegação, a tutela do ambiente e os interesses dos Estados Costeiros. Os navios são teoricamente bem-vindos mas nem sempre, nestes casos em que a segurança e o ambiente possam estar em risco não o são de facto.

Falaremos melhor numa próxima edição do jornal sobre os locais de refúgio.

Este é portanto o regime internacional quando a arribada forçada ocorre para segurança comum do navio da carga e da viagem e as partes acordam na aplicação das Regras Iorque-Antuérpia.

Se as partes não acordarem na sua aplicação, não existe nenhuma Convenção que regule esta matéria, serão as regras do direito internacional privado a ditar a lei interna aplicável.

Podemos perguntar: E os procedimentos para a arribada forçada? São os que constam na lei interna do Estado bandeira do navio. Falaremos melhor sobre isso na próxima edição do Jornal quando abordarmos o regime nacional da arribada forçada.

Contudo não podemos esquecer que um navio para entrar num porto estrangeiro ou local de refúgio de outro país está sujeito às leis desse país e tem também de cumprir os procedimentos internos do seu país também. Não pode simplesmente entrar nas águas e no porto de outro Estado mesmo no caso de uma arribada forçada justificada e legítima.

Falaremos na próxima edição do Jornal do regime nacional sobre as arribadas forçadas.

 

In Direito Marítimo, Volume IV Acontecimentos de Mar, Manuel Januário da Costa Gomes, Almedina, 2008



Um comentário em “Do Direito e do Mar”

  1. Luis Cláudio Alves Torres diz:

    Análise muito técnica e brilhante

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

«Foi Portugal que deu ao Mar a dimensão que tem hoje.»
António E. Cançado
«Num sentimento de febre de ser para além doutro Oceano»
Fernando Pessoa
Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto.
Vergílio Ferreira
Só a alma sabe falar com o mar
Fiama Hasse Pais Brandão
Há mar e mar, há ir e voltar ... e é exactamente no voltar que está o génio.
Paráfrase a Alexandre O’Neill