Interesses cruzados têm vindo a atrasar a adopção do GNL, Gás Natural Liquefeito, como combustível marítimo

Interesses cruzados no sector marítimo, entre os quais se destaca uma certa cumplicidade entre Sociedades Classificadoras e construtores de motores, a conjugar com desarmonia legal, são alguns das principais questões que têm vindo a atrasar uma adopção mais rápida do gás natural liquefeito como combustível marítimo, segundo Jorge Antunes, Director-Geral da TecnoVeritas.

No primeiro caso, como referiu na Conferência pronunciada Sexta-feira passada na Sociedade de Geografia de Lisboa, o que sucede e que as Sociedades Classificadoras exigem que sejam as próprias empresas construtoras de motores a procederem à conversão dos actuais motores para o gás natural mas, estando as mesmas mais interessadas na venda de novos motores, cobrando cerca de 6,5 milhões de euros pelo serviço para navios que, em muitos casos, não terão mais de 10 anos de vida útil, o valor cobrado é um forte desincentivo a qualquer evolução. E no entanto, a mesma conversão pode ser realizada por terceiras empresas por um valor muito inferior, por cerca de 1 milhão de euros, usando as mesmas válvulas e todos os materiais de fábrica, mas, por definição, as mesmas não são aprovadas pelas Sociedades Classificadoras, gorando-se assim uma das mais fortes possibilidades de incentivo à evolução para o GNL marítimo.

Todavia, como anunciou também Jorge Antunes, mercê, em parte, de uma certa estagnação do mercado de construção de novos navios, mercê também da percepção do negócio envolvido, tal atitude parece estar em fase de mudança, o que não deixa de ser uma boa notícia. Mas esse é apenas um primeiro passo porque, entretanto, um outro, algo mais difícil de ultrapassar, respeita ao problema que se pode designar como «o problema do ovo e da galinha», ou seja, porque há ainda poucos navios com propulsão a GNL, não há sistemas de abastecimento para os mesmos e, por outro lado, também se pode dizer que não há mais navios propulsionados a GNL porque não há suficientes sistemas de abastecimento operacionais e suficientemente espalhados geograficamente que os sirvam.

Uma questão que só o tempo resolverá, de facto, quando esse mercado também evoluir.

Para isso, o incentivo legislativo poderá dar o seu contributo mas se, por um lado, a falta de alguma harmonia legislativa ainda se faz sentir, como, por exemplo, entre a União Europeia e a IMO, sendo a primeira mais exigente e restritiva que a segunda, por outro, a tecnologia também não tem avançado tão rapidamente quanto a própria legislação, não se perspectivando sequer que todas as restrições hoje já estipuladas para 2025 possam ser cumpridas como se pretende.

Contudo, algo mais poderia ser feito, sobretudo no que respeita a Portugal, mais não sendo necessário senão adoptar o que está feito com as zonas ECA (Emission Cotrolled Area) no Norte da Europa e no Báltico, tanto mais quanto o que mata não são as emissões de NOX ou SOX mas as partículas, ou micropartículas. Partículas que terão, na Europa, em termos de saúde, um custo já contabilizado na casa dos 64,1 mil milhões de euros anuais.

Nesse enquadramento, a possibilidade, seria impor algo semelhante na área marítima sob jurisdição nacional, uma zona ECA Atlântica, obrigando os navios a navegarem exclusivamente a gasóleo ou a GNL, ou outro eventual tipo de combustível equivalente, como metanol ou etanol, tanto mais quanto, mesmo os navios com propulsão a GNL têm sempre de manter também propulsão a gasóleo dado o binário necessário às fases de manobra.

Apesar de todas estes constrangimentos e de uma perspectiva menos auspiciosa, mesmo apesar de apenas se esperar a construção de 1 000 novos navios até 2020, a mudança para o GNL, numa primeira fase, ou outros tipos de combustível, afigura-se inevitável.

No caso do GNL, como também defendeu Pedro Furtado, da REN, na mesma sessão, um dos aspectos que deveríamos começar a ponderar é a possibilidade de transformar Sines num terminal GNL, embora não se possa deixar de ter em atenção tanto a necessidade de criação de um ecossistema e a conjugação mar-terra.



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