Filantropo Serge Martain acha que Portugal deve apostar nos oceanos
Sailors For The Sea

Quase dois anos depois de ter arrancado, a organização não-governamental (ONG) sem fins lucrativos vocacionada para a sustentabilidade dos oceanos Sailors For The Sea Portugal (SFSP) faz um balanço muito positivo da sua acção. “É um balanço fantástico para uma ONG com pouco mais de um ano de existência”, referiu-nos Bernardo Corrêa de Barros, presidente da organização.

Entre os resultados obtidos contam-se 1.400 velejadores envolvidos em regatas certificadas (Clean Regattas, ou regatas sustentáveis), mais de mil crianças (1.600 previstas até ao final do ano) em aulas sobre sustentabilidade dos oceanos (programa KELP), duas conferências, três acções de limpeza voluntária de praias (Beach Clean Up) e um livro editado (“A Garrafa Mágica”, obra destinada a ensinar a sustentabilidade dos oceanos às crianças e que já integra o Plano Nacional de Leitura).

Face aos objectivos alcançados e ao facto de a ONG ter arrancado com capital próprio dos seus fundadores, depois reforçado com uma doação (seed money) de 8.900 euros (10 mil dólares) do empresário e filantropo canadiano Serge Martain, Bernardo Corrêa de Barros espera triplicar o orçamento para 2017. Em 2016, o orçamento da organização foi de cerca de 16 mil euros.

Entre os parceiros e patrocinadores, a SFSP conta com o apoio do Governo, da Câmara Municipal de Lisboa, Câmara Municipal de Cascais, Clube Naval de Cascais, Marina de Cascais, Hard Rock Café, Águas de Portugal, Quebramar, European Recycling Platform, Bússola Perfeita e Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.

A SFSP é a segunda descendente da Sailors For The Sea original, ou casa-mãe, fundada em 2004 por David Rockfeller Jr. e Davis Treadway nos Estados Unidos, e foi a primeira filiada europeia da organização. A primeira foi a filiada japonesa (2012) e em Outubro existirá outra, no Chile (em Vina del Mar).

O objectivo que presidiu à criação da Sailors For The Sea foi unir a paixão dos fundadores pelo mar com a de uma comunidade de 12 milhões de velejadores nos Estados Unidos numa entidade capaz de “criar uma onda de mudança global” que se tornaria um dos movimentos mais relevantes na conservação e sustentabilidade dos oceanos, conforme se refere no site da SFSP. Uma tentativa de proteger os oceanos através da vela e de uma série de eventos orientados para o mesmo fim.

De acordo com os responsáveis da SFSP, ao acolher a primeira filiada europeia da organização, Cascais consolidava o seu posicionamento como “ponto estratégico nesta onda global de sustentabilidade”.

 

O apoio de um filantropo

 

Serge Martain decidiu apoiar o projecto, não só porque é um filantropo, mas também por causa da relação histórica de Portugal com o mar, que alega conhecer bem, e da natureza da própria iniciativa. Segundo nos afirmou, nunca impõe a sua ideia àqueles com quem colabora ou a quem apoia. “Mas peço duas coisas: que sejam temas de carácter global e que possa tratar com aqueles que tomam as decisões”, referiu-nos.

Ora, os oceanos são um tema global. Mas “não são uma prioridade de topo na agenda mundial”, referiu-nos. “Sei disso porque falo com pessoas de várias instituições globais de grande importância”, como o Banco Mundial, as Nações Unidas ou os mercados financeiros. “A prioridade está nas alterações climáticas e os oceanos são uma espécie de lado B das alterações climáticas”, afirma.

“As pessoas da economia não têm sensibilidade para os oceanos, interessa-lhes mais o pescado, e os oceanos envolvem outras questões, como a captura das emissões de CO2, a acidez dos mares, o aproveitamento energético das ondas ou o aproveitamento de recursos minerais”, afirmou-nos.

Ao Governo português, Serge Martain sugere que Portugal aposte numa coisa: o oceano. E que dirija as suas energias para o oceano, nos planos da educação, das finanças, da engenharia, entre outros. “O turismo também é bom, mas é destrutivo, e eu sei do que falo, conheço o problema, porque trabalho com a Organização Mundial de Turismo”, no âmbito das Nações Unidas.

O filantropo defende que Portugal devia proteger a sua zona económica exclusiva e que para isso “é preciso ter uma marinha forte que possa agir, monitorização por satélite, veículos não tripulados…”. Mas para isso é preciso dinheiro. “Isso não é um problema”, refere. Desde que seja feita uma abordagem sustentável do mar, o que permitiria, no prazo de 20 anos, fazer de Portugal um senhor dos mares.

“Os componentes financeiros obtêm-se nos mercados financeiros, ansiosos por investirem em projectos que os reembolsem rapidamente”, pelo menos, mais rapidamente do que os investimentos que fazem nos próprios mercados financeiros. “O desafio está em identificar as oportunidades e Portugal tem os recursos, que são os oceanos”, considera Serge Martain.

Serge Martain, de 72 anos, tem trabalhado com diversas organizações internacionais, designadamente, as Nações Unidas e várias das suas agências, o Banco Mundial, Bolsas e também Governos. Entre os projectos que abraçou e que gosta de destacar está a The Great Explorers, “uma empresa de sucesso e rentável”, que recorre a novas tecnologias para apresentar filmes sobre locais e povos, a que não falta uma preocupação com a preservação da natureza, narrados ao vivo em cinemas pelos próprios realizadores, perante uma audiência disposta a pagar por essas experiências.

De acordo com o filantropo, “essa é uma história de sucesso único no entretenimento educacional do Canadá, registando uma taxa de ocupação nos cinemas de todo o país na ordem dos 92%”. A penetração do projecto no Canadá é elevada: 53 cidades e um crescimento de audiências de 4 mil para 400 mil em 40 anos. Alguns dos espectadores acompanham as apresentações dos filmes há dez anos.

Outro dos projectos que destaca no seu percurso é a Martin International, por si fundada, e que é uma empresa produtora de grandes exposições e conferências sobre negócios, economia, finanças e tecnologias. Hoje, segundo o fundador, a empresa cumpre o sonho de Serge Martain, de retribuir a sua rentabilidade ao mundo, através de acções filantrópicas de âmbito global.

Do seu extenso currículo de empreendimentos e filantropia faz parte uma contribuição de 100 mil dólares ao longo de 10 anos que fez à Sailors For The Sea e ajudou a modificar as regras de governação dos oceanos, através do programa das Clean Regattas, que atribui a única certificação de sustentabilidade à escala mundial para eventos aquáticos.



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