Presidente da CT do Registo Internacional de Navios da Madeira não receia opções do Ministério do Mar
Hapag-Lloyd

No passado dia 30 de Abril, a consultora PricewaterhouseCoopers (PwC) atribuiu o Prémio Valoris Mare 2016 à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. (SDM), responsável pelo Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), pelo que considera ser o contributo da instituição para a economia do mar em Portugal.

Na decisão da PwC terá pesado o facto de o MAR ter sido o registo internacional de navios com maior crescimento nos últimos dois anos. Uma tendência que permanece. De acordo com o MAR, no final do primeiro trimestre deste ano, estavam ali registados 423 navios, mais 71 do que no período homólogo de 2015 e mais 24 do que no final do ano passado.

Segundo o MAR, o galardão também se deveu a outros indícios, como a evolução da Tonelagem de Arqueação Bruta (TAB) dos navios de comércio ali registados, que passou de 5.653.715 toneladas, em Março de 2015, para 9.302.238 toneladas no final do 1º trimestre deste ano, e a diminuição da idade média das embarcações, que caiu de 12,6 anos, em Março do último ano, para 11,9 anos no final de Março de 2016.

O momento serviu de mote para uma entrevista ao presidente da Comissão Técnica do MAR (CT), António Moreira, onde se abordam questões polémicas associadas directamente a este registo de navios e medidas susceptíveis de melhorar a sua competitividade e eficiência.

 

O MAR ignorado pela ministra

 

Embora premiado, o MAR não se liberta de controvérsias sobre o seu significado enquanto registo de navios. A mais recente, pouco notada entre a opinião pública, foi a relativização da sua importância pela ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, quando ignorou o MAR ao falar da dimensão da frota de marinha mercante nacional, que comparou com a do Luxemburgo, país sem costa marítima mas dotado de uma frota registada superior à portuguesa.

A esse propósito, António Moreira, prefere desvalorizar a posição da ministra. Questionado pelo nosso jornal, afirmou não acreditar “que fosse intenção da Sra. Ministra desvalorizar o MAR com essa afirmação”, acrescentando que o “contexto era de motivação para a marinha mercante nacional e de fundamentar a necessidade de tomada de medidas para a sua dinamização”.

O mesmo responsável mostra-se favorável à intenção de Ana Paula Vitorino de promover um plano de apoio à marinha mercante portuguesa, incluindo uma alteração do regime aplicável ao registo de navios e a aplicação, em Portugal, das melhores medidas legais e fiscais da Europa ao sector.

“Se queremos desenvolver um determinado sector temos de criar condições, retirando entraves e implementando as melhores prácticas, para podermos competir com vantagens, ou pelo menos em igualdade, em relação aos concorrentes”, referiu-nos António Moreira. E acrescentou que “na indústria do transporte marítimo, naturalmente aplicam-se os mesmos princípios”.

Confrontado com a possibilidade de uma alteração do regime aplicável ao registo convencional de navios em Portugal, no qual está registada cerca de uma dúzia de embarcações, o presidente da CT do MAR não crê que “as medidas que venham a ser tomadas alterem o papel do MAR ou influenciem negativamente o seu atual desenvolvimento”.

Para António Moreira, “o MAR está vocacionado para o shipping internacional que compete no mercado de transporte marítimo global” e “medidas para fomentar o aparecimento de mais armadores e navios nacionais (…) serão sempre positivas, até eventualmente para o MAR”.

Este responsável, contudo, não concorda com toda a argumentação da ministra, que justifica mudanças com a necessidade reforçar a oferta de capacidade de carga, diminuir a dependência portuguesa do shipping internacional e aumentar a oferta de emprego para tripulantes portugueses.

“Nas circunstâncias actuais de globalização e abertura de mercados, não faz muito sentido pensarmos em termos de diminuir a dependência portuguesa do shipping internacional. A reserva de mercados já passou à história. O que faz sentido é apostarmos em reclamar o nosso quinhão da indústria dos transportes marítimos num contexto internacional”, refere, acrescentando que “para dar um exemplo da nossa pequenez, os armadores nacionais controlam, segundo as últimas estatísticas da UNCTAD, 0,06% da frota mundial em termos de porte bruto, enquanto os gregos, os primeiros da lista, controlam 16%”.

 

O offshore e a EUROMAR

 

Outra controvérsia relaciona-se com a associação do MAR à SDM – concessionária, pela gestão, administração e promoção do Centro Internacional de Negócios da Madeira, recentemente relacionado com o fenómeno das empresas offshore. Questionado pelo nosso jornal sobre se o MAR pode ser considerado uma espécie de offshore aplicado ao registo de navios, António Moreira apenas admite alguma semelhança no que respeita à aplicação de um regime fiscal mais favorável.

“As pessoas, em geral, associam offshores a esconder dinheiro do fisco ou das autoridades, a perder o rasto da sua proveniência e à anonimidade da sua posse. Nada disso se aplica com o registo de navios no MAR. Tanto os navios como os proprietários, afretadores a casco nu, operadores, etc. estão perfeitamente identificados tanto no MAR (incluindo a conservatória da Zona Franca da Madeira) como em documentos estatutários emitidos de acordo com requisitos internacionais obrigatórios”, os quais “requerem inclusivamente a atribuição de números de identificação únicos, aos navios, proprietários e afretadores, registados numa base de dados mundial mantida sob a égide da agência das Nações Unidas para a segurança marítima (Organização Marítima Internacional)”, refere o mesmo responsável.

Não menos polémica é a questão da influência estrangeira num registo nacional de navios, como o MAR, e que está relacionada com a posição de Ana Paula Vitorino sobre o registo madeirense, onde Portugal era origem de apenas 4,1% das embarcações ali instaladas (12), tantas como a Noruega, em 31 de Dezembro de 2015. O crescimento do MAR está associado ao papel da empresa alemã EUROMAR – EU Registry, sua parceira na captação de navios para o registo.

Questionado pelo nosso jornal sobre este facto, Antonio Moreira recorda que “os armadores alemães controlam a segunda maior frota da Europa, após os gregos, e a quarta do mundo”, pelo que “será natural que os alemães tenham lugar de destaque entre os armadores do MAR, ou de qualquer outro registo”.

E acrescenta que “no caso de MAR, a SDM, Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, concessionária do registo, soube aproveitar uma oportunidade para realizar uma parceria com a EUROMAR, uma empresa alemã especializada em serviços no âmbito do registo de navios, documentação e apoio nos trâmites com as administrações marítimas, para esta promover exclusivamente o registo do MAR”.

António Moreira explica ainda que “dada a nacionalidade dessa empresa e o seu conhecimento do mercado de shipping alemão, naturalmente começaram por aí. É um mercado extenso e onde o MAR tinha pouca penetração e, por isso, com grandes potencialidades de crescimento”. E continua, referindo que as “políticas da UE para atraírem navios para as bandeiras europeias permitem a aplicação pelos Estados membro de benefícios aos armadores que tenham pelo menos 60% da sua frota registada nessas bandeiras”, sendo que “como a Alemanha aplica esses benefícios, isso levou os armadores alemães a transferir o registo fora da Europa de muitos dos seus navios para registos europeus”.

De acordo com dados do MAR, em 31 de Dezembro de 2015, 66,2% (192) dos navios ali registados provinham precisamente da Alemanha. Uma diferença muito superior à do segundo país com maior número de navios registados no MAR: a Itália, com 11,1% (32), seguida pela Espanha, com 8,3% (24).

 

A oferta de emprego

 

O contributo do MAR para a empregabilidade de marítimos portugueses também tem sido motivo de críticas e já foi tema abordado pelo nosso jornal. De acordo com o MAR, deu-se um “crescimento do número de tripulantes portugueses nos navios registados no MAR, que passou de 303 para 350 no último ano, um aumento de 15,5%”, num total superior a 4.600 tripulantes.

A este propósito, António Moreira começa por referir que a oferta de emprego a bordo de navios de armadores nacionais é reduzida. Pelo que é preciso procurar emprego no mercado global. “Vários armadores com navios registados no MAR perguntam onde podem encontrar tripulantes portugueses para os seus navios e até já enviaram responsáveis das suas companhias para entrevistarem os poucos que conseguiram contactar”, refere.

No entanto, o responsável técnico do MAR nota alguma ironia no fenómeno. “Ironicamente, as dificuldades que têm os poucos marítimos portugueses disponíveis em encontrar opções de trabalho, é precisamente por serem muito poucos”, salienta. E explica a sua posição.

“Uma tripulação tem de ser formada com alguma atenção. Os tripulantes irão trabalhar e viver durante meses dentro de um espaço limitado longe da família e amigos. Pesam, por isso, factores de ordem social, cultural e comunicacional para a constituição de uma tripulação. Os armadores tentam formar tripulações tão homogéneas quanto possível, usando, em geral, apenas uma ou duas nacionalidades onde haja grande capacidade de recrutamento. E não apenas para um navio, mas para vários. Isso significa que eles querem dezenas de oficiais portugueses, por exemplo, e não apenas dois ou três, que são os que aparecem disponíveis”, esclareceu ao nosso jornal.

António Moreira, por outro lado, nota os riscos de manter limitações ao número de tripulantes estrangeiros que os armadores podem utilizar num registo aberto, “em concorrência com muitos outros na Europa, já para não dizer no mundo”. “Se isso perspectivar uma dificuldade para os armadores, eles simplesmente não usam ou abandonam o registo”, destaca.

O mesmo responsável adianta “no caso do MAR, o constrangimento que o requisito dos 30% de tripulantes UE/CPLP (após a última revisão do diploma regulador do MAR o requisito é agora de 30% e não de 50%) poderia provocar aos armadores, é compensado pela possibilidade de isentar esse requisito em circunstâncias quando justificadamente os armadores têm dificuldades em cumprir”, considerando a necessidade de manter “uma tripulação homogénea, fundamental para a segurança dos navios”.

Sobre as condições oferecidas aos tripulantes, o presidente da CT do MAR remete para a lei da oferta e da procura. Mas destaca que “há falta de bons e experientes profissionais qualificados (oficiais em geral, principalmente engenheiros de máquinas e oficiais para navios especializados) e, por isso, estes obtêm facilmente colocação com condições vantajosas, tanto a bordo dos navios como eventualmente em terra”.

No plano das condições de trabalho, António Moreira admite que os sindicatos “têm um papel equilibrador”. E recorda que o MAR não é classificado pela Federação Internacional dos Trabalhadores dos Transportes (ITF) como uma FOC (flag of convenience, ou bandeira de conveniência), geralmente associada a condições de trabalho sub-standard.

“O MAR mantém uma relação de cooperação com os sindicatos portugueses federados na ITF dentro da sua política de que os marítimos embarcados nos navios do registo não deverão ter condições menos vantajosas do que as consideradas aceitáveis para esses sindicatos, independentemente das suas nacionalidades”, esclarece aquele responsável.

 

Sugestões

 

Quer para melhorar as condições de trabalho e assim atrair mais marítimos nacionais dotados de melhores qualificações, quer para minimizar riscos de ineficiência decorrentes do crescimento do MAR (aos quais considera que o Ministério do Mar não deixará de estar atento), António Moreira defende, acima de tudo, a captação de companhias de navegação para Portugal. “Essas companhias podiam mesmo ser de armadores estrangeiros, se encontrassem em Portugal condições semelhantes às que lhes são oferecidas em outros países europeus”, refere.

No quadro de um crescimento do MAR e do seu papel na economia, o presidente da respectiva CT defende medidas ao nível da potenciação do registo e do aproveitamento de sinergias.

Entre as soluções defendidas no plano da potenciação do MAR, António Moreira inclui a definição e implementação de uma estratégia adequada para a Administração Marítima, em nome da eficiência e da economia de recursos, a finalização e actualização do quadro legal aplicável aos navios e armadores deste registo e ainda a melhoria da competitividade (definir políticas estratégicas concertadas para as taxas sobre os serviços prestados aos utentes do registo).

Já ao nível das sinergias, o presidente da CT do MAR apela ao aproveitamento do relacionamento já existente com grandes armadores europeus e mundiais, designadamente, no desenvolvimento de políticas para criação de emprego especializado e know-how específico para o sector (“fundamental para alimentar outras áreas de grandes mais-valias que fazem parte da indústria do transporte marítimo, como a banca especializada, seguros, brokers de cargas e navios, etc.”, conforme refere António Moreira).



Um comentário em “Políticas do Governo não deverão prejudicar o MAR”

  1. Vitor Carrilho diz:

    Gostei muito deste artigo e gostava que os nlssos governos dessem mais atenção ao Mar,e principalmente aos navios mercantes.

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