ICS defende prevalência da IMO sobre União Europeia
Marine Environment Protection Committee

Começa hoje e prossegue até 22 de Abril, em Londres, uma sessão do Marine Environment Protection Committee (MEPC) da Organização Marítima Internacional (conhecida por IMO, sigla da expressão inglesa), durante a qual serão debatidas questões relacionadas com a recolha de dados dos navios sobre emissões de CO2 para a atmosfera, a redução dessas emissões e a convenção internacional relativa à gestão das águas de lastro.

O encontro realiza-se poucos dias antes da apresentação para assinatura do acordo alcançado em Paris, em Dezembro de 2015, na conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas (a COP.21), que terá lugar em 22 de Abril, em Nova Iorque, e num momento em que a falta de consenso internacional relativamente a algumas destas questões ameaça retardar a sua implementação eficaz.

Uma das entidades que tem alertado para esta falta de consenso é a International Chamber of Shipping (ICS), a principal organização internacional de transporte marítimo. Recentemente, a ICS elaborou recomendações para debater na reunião que hoje começa, alertando para os riscos de não se progredir rumo aos objectivos ambientais traçados pelas Nações Unidas, por um lado, e para a necessidade de uniformizar procedimentos no transporte marítimo, por outro.

 

As emissões de CO2

 

Numa comunicação recente, a ICS assume como principal prioridade a adopção tão brevemente quanto possível do novo sistema global de recolha de dados sobre o CO2 emitido pelos navios. Quaisquer insucessos em fazer avançar este processo no seio da IMO pode resultar na implementação unilateral de medidas que prejudiquem a indústria do transporte marítimo, entende a ICS.

Neste momento, a IMO tem em cima da mesa uma proposta que é um compromisso entre os Governos preocupados essencialmente com os dados sobre o consumo de combustível e os que estão mais interessados em informação adicional, designadamente, sobre o trabalho de transporte.

Mas a ICS recorda que a União Europeia (UE) já adoptou uma regulamentação regional sobre a monitorização, registo e verificação das emissões de cada navio (o MRV – Monitoring, Reporting, Verification), em Abril de 2015, que impõe aos maiores navios (mais de 5 mil toneladas brutas) que escalem portos da UE a partir de 1 de Janeiro de 2018 a recolha de dados sobre emissões de CO2 e outros elementos relevantes para registo e verificação posterior.

A UE estima que o MRV reduza em 2% as emissões registadas nos percursos abrangidos e represente uma poupança de 1,2 mil milhões de euros anuais em custos líquidos em 2030, face ao quadro actual.

De acordo com a ICS, este sistema recorre a uma métrica diferente da que é utilizada pela IMO. “A intenção aparente da Comissão Europeia é tornar isto num sistema regional de indexação de eficiência obrigatória de cada navio, que a ICS considera que levará a sérias distorções de mercado”, refere-se na comunicação da organização.

A ICS acrescenta que a possibilidade de persuadir a UE a adaptar a sua regulamentação às regras internacionais ficaria fragilizada por atrasos na IMO e lamenta que os países da UE, agindo em bloco, queiram reabrir a discussão sobre uma matéria sobre a qual já fora obtido consenso numa recente reunião da IMO em que até participaram alguns dos seus membros.

De acordo com a UE, o transporte marítimo é responsável pela emissão de mil milhões de toneladas anuais de CO2 e por 2,5% das emissões globais de gases com efeito de estufa. Para a UE, as emissões deste sector devem aumentar entre 50 e 250 por cento até 2050, dependendo da evolução da economia e do sector energético, o que não é considerado compatível com o objectivo internacional de manter a temperatura média do planeta 2º abaixo dos níveis pré-industriais até 2100.

Em 2015, uma análise da Lloyd’s recordava que o transporte marítimo era o único segmento dos transportes que não estava abrangido pela directiva ETS (Emissions Trading Systems) da UE, e que é considerada a principal iniciativa internacional relativa à troca de direitos de emissão de gases com efeito de estufa, cobrindo mais de 11 mil fontes emissoras em 31 países. A ausência do transporte marítimo está, aliás, a ser contestada pelo Parlamento Europeu, que também critica a ETS por insuficiente e pouco ambiciosa.

Dados referidos por ocasião da COP.21 estimavam que em 2050 o transporte marítimo seria responsável por 33% das emissões de CO2 e que a aviação seria responsável por 10%. A ICS não concorda com as projecções que colocam o transporte marítimo no topo dos emitentes de CO2 até 2050 e apresenta argumentos, prevendo mesmo uma redução das emissões em 50% até essa data.

Além de já as ter reduzido em 10% entre 2007 e 2012, segundo a ICS, o sector está obrigado a construir navios 30% mais eficientes do ponto de vista energético a partir de 2025. Paralelamente, estão a ser introduzidas soluções menos agressivas para o ambiente, como combustíveis mais limpos, gestão mais inteligente da velocidade dos navios, designs mais eficientes, entre outros.

E de acordo com dados próprios, a ICS sustenta que enquanto um porta-contentor com capacidade para 18 mil TEU gera 3 gramas de CO2 por cada tonelada de carga deslocada por Km, (5,9 gramas no caso de um navio-tanque de 120 mil toneladas de porte bruto e 7,9 gramas no caso de um graneleiro de 35 mil toneladas de porte bruto), um Boeing 747, com capacidade para 113 toneladas gera 435 gramas por tonelada transportada por Km e um camião com mais de 40 toneladas produz 80 gramas nas mesmas circunstâncias.

Entre as recomendações da ICS está uma proposta para que a IMO desenvolva um compromisso próprio para a redução das emissões de CO2, de acordo com as possibilidades do sector, à semelhança do que fizeram os Estados relativamente às suas economias. Mas a ICS realça que o COP.21 prevê diferentes ritmos para a descarbonização, conforme as partes, não se esperando que o transporte marítimo actue à mesma velocidade das economias desenvolvidas.

 

Águas de lastro e COP.21

 

A ICS também espera que neste encontro se avance no processo de revisão das orientações da IMO relativas aos novos sistemas de tratamento das águas de lastro que os armadores serão obrigados a instalar no âmbito da Convenção Internacional para Controlo e Gestão das Águas de Lastro e Sedimentos de Navios (BWM, da expressão inglesa Ballast Water Management Convention), que deve entrar em vigor até ao final de 2017.

Numa recomendação que também fez para o encontro desta semana, a ICS esclareceu que a entrada em vigor da BWM constituirá um desafio para os operadores do sector face à falta de capacidade dos estaleiros navais para adaptarem os novos equipamentos e considerou que muitos armadores retardaram a instalação devido à incerteza quanto quanto à validade dos sistemas, agravada pela existência de soluções técnicas diferentes defendidas por parte dos Estados Unidos.

Recorde-se que no mesmo dia em que termina a sessão do MEPC, é apresentado para assinatura o texto do COP.21, que permanecerá aberto para subscrição durante um ano, ou seja, até 21 de Abril de 2017 e deverá entrar em vigor no 30º dias após assinado por 55 partes, no mínimo, e que sejam responsáveis por 55% do total das emissões de gases de estufa.

A EU já terá apresentado uma proposta de Decisão do Conselho tendo em vista a sua própria assinatura, mas admite a necessidade de rever alguma legislação em vigor. Já os Estados membros, segundo apurámos, defendem o adiamento da assinatura até à aprovação da ETS.



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