Os amuletos e a influência dos astros

Durante muito tempo, como a aventura era a rotina diária da vida a bordo, os marinheiros confiavam em amuletos e no seu bom astral para terem sucesso nas actividades marítimas. Porém, a crescente laboração no mar, associada ao uso do método da tentativa e erro para revelação dos mistérios oceânicos e das rotas desconhecidas, evidenciou que o sucesso não é uma virtude protectora dos talismãs nem uma graça dos astros, mas resultado de trabalho cuidado e perseverante.

Foi por esta razão que Vasco da Gama, antes de se lançar na busca do caminho marítimo para a Índia, imaginou as dificuldades que ele e os seus navios poderiam encontrar, e cuidou da melhor forma para as ultrapassar, reduzindo, assim, a probabilidade de cometer erros que levassem ao infortúnio da sua missão. Para isso, concebeu um plano de viagem plausível e executou-o com os dados que dispôs à partida e foi obtendo pelo caminho, esforçando-se por encontrar as melhores soluções para alcançar Calecute, realizando uma navegação marítima épica que, como Camões referiu, espantou o Céu e a Terra.

É evidente que o sucesso, em qualquer actividade marítima, tem o seu fundamento numa postura mental ordenada e em atitudes precautelares, e não na influência positiva dos amuletos e dos astros. Contudo, porque razão os marinheiros persistem em encontrar protecção para alguns dos infortúnios marítimos, recorrendo a objectos, aos quais atribuem virtudes patrocinadoras da sorte, face à influência benéfica dos corpos celestes?

Um estudo recente sobre a sorte, realizado pelo professor Richard Wiseman, da Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido, demonstra que um talismã pode ser um aliado útil para se adoptar um estado de espírito positivo. Por isso, quando algum marinheiro perfilha um amuleto da sorte, convence-se, de forma subtil, que atrai sobre si as influências positivas dos astros.

Entre todos os corpos celestes, a Lua é aquele sobre o qual recaem mais superstições, porque, além de ser muito visível, as suas múltiplas fases e faces alimentam numerosos mitos e lendas.

No passado, os antigos prestavam culto à Lua, porque esta era capaz de mudar de aparência em função do seu ciclo e de iluminar o Céu e a Terra na escuridão. Para os cristãos, que condenaram fortemente este culto, a Lua tinha uma reputação quase maléfica. Por isso, consideravam que ela se opunha ao Sol, como o mal contrasta com o bem e as trevas contradizem a luz. Também acreditavam que, após o pôr-do-sol, o nascimento da Lua abria caminho às actividades perversas das criaturas monstruosas.

As zonas de sombra da Lua, muito visíveis na fase da Lua Cheia, deram origem ao aparecimento de várias interpretações fantasiosas: umas, ligadas à presença de criminosos ou de outros indivíduos cruéis, condenados ao exílio nesse astro, para os afastar das suas vítimas terrestres inocentes; outras, relacionadas com a presença de um coelho ou uma lebre, marginalizados para a Lua, porque a sua extrema fertilidade eram prejudiciais à Terra, onde já existiam em grande número!

De todas as superstições relacionadas com a Lua, ainda subsiste uma fortemente arreigada nos espíritos dos marinheiros, que consideram este corpo celeste capaz de influenciar a sua vida a bordo. Por isso, perante qualquer tarefa, confiam no seu bom astral e adoptam o improviso como estado de espírito e o desenrascanço como atitude, consubstanciados na expressão prática do: “à hora sai!”. Para aqueles que acreditam neste aforismo, recomenda-se que estudem astrologia pois, à luz desta disciplina, talvez descubram os poderes da Lua Negra (cerca de 3 dias antes da Lua Nova) sobre o seu desempenho: umas vezes, inspirado pela metade das trevas, onde prevalecem as transmutações negativas e maléficas, que tudo destroem e degradam, conduzindo ao fracasso; outras ocasiões, regulado pela metade da luz criadora e regeneradora, que elimina o que não serve nem faz sentido na vida, viabilizando o sucesso.

É certo que a Lua Negra inspira os marinheiros a conceber, a sonhar e a desejar. Porém, o sucesso nas suas actividades não deriva da influência deste astro. É, antes, o resultado da conjugação de um trabalho de planeamento consciente e objectivo precedendo a acção a que se aplica, conjugado com um comportamento específico e deliberado no seu decurso, em função dos objectivos que se perseguem. Nestas circunstâncias, os marinheiros devem labutar sempre de forma abnegada e perseverante e, nos momentos relevantes, necessitam de planear as suas actividades de forma intencional e deliberada. Ao mesmo tempo, é importante que ousem, correndo riscos calculados e ajustando os respectivos comportamentos às circunstâncias do ambiente, através de um fluxo de decisões baseadas em critérios inteligentes, económicos e viáveis. Só, nestas circunstâncias, o mar permite que a sorte sorria aos audazes!



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