GNL: O futuro bate à porta

O transporte marítimo de gás natural no estado liquefeito (“GNL”) é uma das grandes conquistas da engenharia naval, com uma larga quota-parte na revolução do mercado de energia que estamos hoje a assistir. Para tornar viável o transporte de gás natural, composto em mais de 85% por metano, é necessário liquefazê-lo, assim aumentando a sua densidade em cerca de seiscentas vezes. Por razões de segurança, a liquefacção é conseguida por arrefecimento à temperatura de ebulição do metano de -161ºC e não por compressão. O desafio tecnológico daí resultante só foi ultrapassado nos anos cinquenta pela equipa de projeto da J.J.Henry, sediada em Nova Iorque, com quem tive o privilégio de trabalhar alguns anos mais tarde. O primeiro navio de transporte de GNL, o “MethanePioneer”, lançado em 1958, marca o início da revolução do gás natural.

A experiência positiva dos navios de GNL, em que o gás que escapa dos tanques (“boiloff”) é utilizado como combustível na propulsão, levou à sua adopção como combustível noutros tipos de navios, começando com o ferry norueguês MF “Glutra” em 2000. Atualmente a frota de navios com propulsão a GNL, excluindo os referidos navios tanque e navios de navegação fluvial, compreende 73 navios em operação (10 na Europa) e 80 navios encomendados a estaleiros (44 na Europa). Os tipos de navio mais frequentes, por ordem decrescente de importância, são ferries, auxiliares (psv e rebocadores) e porta-contentores.

Os dois principais fabricantes de motores de propulsão marítima, MAN e Wartsila, estão a apostar fortemente na propulsão a GNL. A Wartsila, que domina o mercado de shortsea, oferece soluções integradas incluindo abastecimento, tancagem e sistemas de controlo, bem como uma barcaça para abastecimento portuário com 6.500 m3 de capacidade.

A Diretiva 94/2014 da UE estabelece objetivos concretos para a implementação de infra-estruturas de GNL, incluindo pontos de abastecimento em portos core da RTE-T (Lisboa, Sines e Leixões) até fins de 2025. Os programas CEF-Transporte e CEF-Energia financiam projetos de implementação enquanto o Horizon 2020 financia projetos de I&D. Na lista de projetos já financiados destaca-se o GAINN4MOS liderado pela Fundación Valenciaport, que propõe a conversão de 4 navios protótipo e implementação de instalações de abastecimento em 7 portos, sendo 5 instalações piloto (Koper, Genova, La Spezia, Livorno e Veneza) e 2 instalações definitivas (Nantes-St Nazaire e FOS-Marseille). Portugal participa neste projeto através de quatro administrações portuárias e de dois armadores. Outro projeto relevante para Portugal é o CORE LNGas Hive, liderado pela Enagás, que propõe a conversão de 8 navios e implementação de 8 pontos de abastecimento de GNL nos Corredores do Atlântico e do Mediterrâneo na Península Ibérica. Estranhamente, não há participação portuguesa neste projeto.

Desafio para Portugal

O inevitável crescimento do mercado de propulsão a GNL oferece uma excelente oportunidade para um vasto sector da economia do mar, incluindo estaleiros, armadores, carregadores, administrações portuárias, fornecedores de serviços e equipamentos portuários e, necessariamente, centros de formação e de investigação. O estado ainda embrionário deste mercado aconselha a que se congreguem os esforços dos principais stakeholders, sob a coordenação duma entidade integradora como a APP ou o Forum Oceano, para assim criarmos vantagens competitivas e ombrearmos com outros países europeus no desenvolvimento deste importante mercado.

 



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