Holanda e Portugal são duas pequenas nações com grandes ambições marítimas. Hoje seguimos mais do que noutros tempos em que o inverso se verificou mas, aprofundar a boa cooperação que tem havido entre ambas as nações parece avisado e, espera-se, profícuo.

A cooperação entre a Holanda, ou Países Baixos e Portugal, tem-se vindo a realizar, em termos marítimos, sobretudo na área militar e nas energias renováveis. Mas há outras áreas de possível cooperação e desenvolvimento, como o caso do Transporte Marítimo de Curta Distância ou a Aquacultura. Situações a explorar, como refere o Embaixador da Holanda em Portugal, Govert Jan Bijl de Vroe.

 

 Qual a perspectiva das potencialidades da economia do mar sob um ponto de vista da Holanda enquanto nação que se afirma claramente nessa área?

 

Existem muitas possibilidades, essa foi a conclusão que resultou de um estudo recente. Existem possibilidades, entre outras nas áreas seguintes:

  • O Mar do Norte oferece oportunidades no campo da produção de energia e na cultura de peixes, algas e sargaço;
  • A interacção entre terra e mar oferece oportunidades na área da cultura salina de vegetais, que pode contribuir para a resolução do problema da provisão mundial de alimentos;
  • A biotecnologia marinha (azul) tem grande potencial futuro, assim como a exploração mineira em alto-mar;
  • Para a navegação e a construção naval existem oportunidades em relação à manutenção e instalação de parques eólicos, sendo também interessante a montagem de grandes componentes nos portos. Fornecimento à indústria offshore continua a ser muito convidativo;
  • Turismo costeiro e recreação marítima são nichos de mercado cada vez mais atractivos.

 

No âmbito da Presidência neerlandesa da União Europeia os Países Baixos organizaram no dia 15 de Fevereiro de 2016 um encontro sobre “Short Sea Shipping”. Um dos workshops tratou do “Crescimento Azul e o Planeamento Espacial Marítimo”, no qual estiveram em foco o impacto e as oportunidades da economia do mar para a navegação costeira.

 

Principais políticas em desenvolvimento tendo em vista essa mesma afirmação?

Para fortalecer os interesses marítimos dos Países Baixos, a política neerlandesa foca temas relevantes para todo o cluster marítimo. Conhecimento, experiência, boas práticas e inovação devem ser partilhados o mais amplamente possível. Soluções que contribuam para o fortalecimento do cluster marítimo como um todo também são dignas de estímulo. Não faz sentido apresentar soluções para sectores específicos, se o cluster marítimo no seu todo não tirar vantagens disso.

Os temas a que a política neerlandesa se dirige são:

  • Human Capital: suficiente pessoal de qualidade, mobilidade laboral, boa formação, etc.
  • Inovação: limitar a um mínimo as barreiras legais à inovação, boa colaboração entre as autoridades, indústria e institutos de conhecimento no âmbito da investigação marítima, novos combustíveis e conceitos de propulsão, etc.
  • Comércio: concorrência equitativa (europeia, internacional), inclusão do cluster marítimo nas missão comerciais, etc.
  • Acessibilidade: uma rede de transportes eficiente e sem falhas (hubs logísticos fortes, bons acessos marítimos e boas ligações ao interior do país, etc.)
  • Segurança e Ambiente: navios seguros e limpos, redução das emissões, utilizadores da cultura de segurança profissionais, etc.
  • Ameaça à Segurança e à Estabilidade: garantir o livre transporte de matérias-primas e mercadorias através do domínio marítimo, proteger os interesses (económicos) dos Países Baixos a nível da segurança, etc.

Para se poder trabalhar com êxito nestes temas é necessário tanto o empenho das autoridades neerlandesas como o dos agentes envolvidos no cluster marítimo. A colaboração é uma chave para o sucesso. Aqui também se inclui a colaboração com parceiros terceiros, como Portugal.

 

Quais os principais clusters holandeses na área marítima?

Nos Países Baixos o cluster marítimo é visto como o conjunto de todas as importantes vertentes marítimas. Aqui se incluem a navegação fluvial, portos, prestação de serviços marítimos (incluindo institutos de formação marítima e institutos de conhecimento), fornecedores marítimos, offshore, construção naval, pescas, obras hidráulicas, indústria de desportos náuticos e navegação de alto-mar. Também a Marinha Real se inclui aqui. Nos Países Baixos o cluster marítimo empregou em 2014, com mais de 17.000 empresas, cerca de 253.000 pessoas. Directa e indirectamente, o valor de produção atingiu cerca de 53 mil milhões de euros e um valor acrescentado total de 22,6 mil milhões de euros, ou seja 3,4% do PIB dos Países Baixos.

 

Quais os factores determinantes de sucesso ou como tal considerados?

O cluster marítimo neerlandês é orientado para o cliente e completo. É um cluster estável, provavelmente devido a algumas características especiais, tais como o elevado nível tecnológico e o esforço para se aproveitar toda a vantagem da cooperação internacional. Estas características são optimizadas por uma localização geográfica estratégica e um ambiente político e económico estável nos Países Baixos.

 

Qual a política holandesa de cooperação com terceiras nações na área marítima?

Os Países Baixos procuram colaborar activamente no âmbito da UE e da IMO. Decorrem conversações entre a União Europeia e o Brasil, a Índia e a China. Além disso, há contactos bilaterais com países terceiros, como o Brasil, através dos quais se pode procurar colaboração por meio da assinatura de um MoU, caso haja uma mais-valia clara para a indústria.

 

Qual a perspectiva de cooperação Holanda-Portugal na área marítima, bem como o que já estará eventualmente a ser realizado nesse âmbito?

 

  • Os Países Baixos na área marítima têm uma boa colaboração com Portugal, mas torna-se necessário aprimorar a colaboração no âmbito da UE e da IMO e também na área do Short Sea Shipping.
  • Diversas empresas e institutos holandeses, tais como a Damen, Teamwork Technology, Trelleborg Ridderkerk e Marin colaboram em projectos europeus em cooperação com a sua associada portuguesa WavEC Offshore Renewables.
  • Os Países Baixos e Portugal são ambos membros fundadores da OTAN. A cooperação naval bilateral é, por isso, de longa data e é considerada muito útil por ambas as partes. Mais em detalhe, a Marinha portuguesa comprou duas fragatas classe M à Marinha Real dos Países Baixos em 2009 e em 2010: a fragata Bartolomeu Dias e a fragata D. Francisco de Almeida. Esta última foi navio-almirante do SNMG1 (Standing NATO Maritime Group 1) entre Junho e Dezembro de 2015. Durante parte deste período sob comando português, o grupo também incluiu navios holandeses como o Tromp e o De Ruyter.

As fragatas da classe M utilizam um sistema de comunicação integrado, o ICCS, concebido pela empresa portuguesa EID. Além disso, Portugal adquiriu à Marinha dos Países Baixos 5 aviões-patrulha Lockheed P-3CII. De 2005 a meados de 2006 pilotos da Marinha portuguesa foram treinados na Base aéreo-naval de Valkenburg para pilotarem estes Orions.

Finalmente, tanto os Países Baixos como Portugal são parte de uma Unidade marítima americana rapidamente transferível dentro da OTAN, chamada STRIKFORNATO, que se mudou de Nápoles para Oeiras em 2012.

 

Perspectiva de cooperação entre a Holanda e outras nações da Comunidade de Países de Língua Portuguesa no domínio marítimo, sobretudo na área do Atlântico?

O Ministério neerlandês das Infra-estruturas e do Ambiente tem contactos intensivos com o Brasil através de um MoU na área marítima. O porto de Roterdão está ligado ao desenvolvimento do Porto Central. Também há alguns contactos com Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo-Verde.

 

Perspectiva e crítica das principais políticas europeias no domínio marítimo?

Os Países Baixos têm como objectivo um forte cluster marítimo neerlandês e europeu, com uma navegação de alto-mar de elevada qualidade e a par das evoluções mundiais na área das prestações de segurança e ambiente. Os Países Baixos empenham-se em poder utilizar as possibilidades de co-financiamento europeu (tanto os subsídios como os instrumentos financeiros) para o cluster marítimo. Um sector marítimo forte, concorrencial e sustentável é essencial para os Países Baixos enquanto Estado bandeira com uma orla marítima e portos, bem como para os grandes portos de mar neerlandeses. Os Países Baixos alertam para um campo de jogo a nível internacional por meio de acordos mundiais na IMO na área de segurança e ambiente. Também é importante que surjam regras para a concessão de apoios estatais aos portos de mar, para além de se manter o apoio estatal (possibilidade de medidas fiscais) para a navegação de alto-mar. Desta maneira pode ser garantido um campo de jogo equitativo.

Os Países Baixos consideram que a Comissão Europeia na revisão da política marítima europeia deve avaliar bem quais os instrumentos que tiveram êxito e quais os que não tiveram ou tiveram menos êxito. Na busca de melhor legislação e de diminuição das burocracias novos objectivos e temas que são acrescentados à estratégia marítima europeia deveriam ter um valor acrescentado europeu.

 

Perspectiva das principais tendências relativamente aos mais importantes sectores da área marítima num futuro próximo e principais preocupações neste domínio?

Para o futuro do cluster marítimo é muito importante continuar a seguir as evoluções mundiais e a participar nas mesmas. Alterações estruturais económicas, demográficas, ecológicas e também em matéria da política de segurança influenciam o cluster marítimo em maior ou menor medida. Pense-se, por exemplo, nos padrões de produção mundiais, fortalecimento progressivo de produção e consumo, alterações no consumo de energia, inovações tecnológicas, alterações climáticas e novas ameaças à segurança. Aqui o peso geoestratégico das economias OECD na economia mundial desloca-se para novos mercados. Isto influencia a procura mundial de produtos e serviços com os inerentes fluxos de mercadorias.

 



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