De acordo com a bióloga que coordenou o LIFE+ MarPro, a aprovação de duas áreas marinhas de conservação de cetáceos em Portugal Continental não basta para proteger o meio marinho, designadamente o boto. Além dos planos de gestão, falta aprovar outras duas medidas, como a área de protecção na Costa de Setúbal e o alargamento da área no Estuário do Sado
Callum Roberts

Na última semana, foram publicadas em Diário da República duas resoluções aprovadas em Conselho de Ministros, no cumprimento da Directiva Habitat, e que contribuirão para a conservação de cetáceos em Portugal Continental. Uma das resoluções aprova a inclusão da faixa litoral entre Maceda e Praia da Vieira na lista nacional de sítios da Rede Natura 2000 e outra amplia os limites do sítio Costa Sudoeste para um total de 261.232 hectares (dos quais 163.870 em área marinha e 97.362 em área terrestre).

A primeira resolução agora publicada, relativa a uma área exclusivamente marinha, contempla também a inserção de dois habitats, incluindo de cetáceos (especialmente o boto, relativamente ao qual 32% da população nacional, actualmente em declínio, referem dados científicos, está ali concentrada), na Rede Natura 2000. É o primeiro sítio da Rede Natura 2000 completamente marinho em Portugal Continental para conservação de cetáceos.

A segunda resolução publicada determina, além da ampliação do sítio Costa Sudoeste, já incluindo na Rede Natura 2000, a associação dos habitats dos cetáceos roaz e boto a esse sítio. “A par da associação dos referidos cetáceos ao sítio Costa Sudoeste, é necessário proceder ao alargamento dos seus limites, não só porque se constata a presença permanente daquelas espécies de cetáceos em áreas adjacentes, mas também porque estas áreas integram uma componente de habitats marinhos muito diversificada com um predomínio de recifes (Habitat 1170), que ocorrem em cerca de 13 % da área do sítio alargado”, refere o diploma.

No caso do boto, “Portugal tem particular responsabilidade na sua protecção, já que alberga, juntamente com Espanha, os principais núcleos de uma população que futuramente poderá ser designada como uma nova subespécie (Phocoena phocoena meridionalis)”, a qual, além do comprovado isolamento das restantes subespécies, corresponde a uma população caracterizada por poucos indivíduos e densidades relativas muito reduzidas”, refere o mesmo diploma, acrescentando que “o boto apresenta um estado de conservação desfavorável, o que faz aumentar a preocupação com a sua protecção e conservação”.

As duas novas áreas foram propostas pelo LIFE+ MarPro, um projecto que decorreu entre 2011 e 2017, coordenado pela Universidade de Aveiro (UA). A UA, porém, também propôs os respectivos planos de gestão, bem como a aprovação de mais duas situações: uma área de protecção na Costa de Setúbal e o alargamento da área no Estuário do Sado, a par dos respectivos planos de gestão. Sem a aprovação da área de protecção da Costa de Setúbal, do alargamento da área do Estuário do Sado e dos planos de gestão das quatro áreas propostas pela UA, as duas novas áreas “terão poucos efeitos na conservação do meio marinho”, considera a bióloga e coordenadora do LIFE+ MarPro, Catarina Eira.

De acordo com declarações da bióloga ao nosso jornal, a publicação destas duas áreas é algo de “positivo, sem dúvida”, mas insuficiente. Em declarações citadas pela UA, Catarina Eira refere que “para se assegurar que os objectivos de conservação são compatíveis com as actividades humanas que ocorrem nestas áreas, permitindo a monitorização e mitigação das pressões identificadas, os planos de gestão têm de ser aprovados”. Sobre o boto, a bióloga refere que “caso não sejam tomadas medidas de protecção eficazes, esta espécie pode extinguir-se dentro de duas décadas nas águas nacionais”.

A propósito das duas novas áreas, Catarina Eira refere ainda que, no caso do sítio “Maceda-Praia da Vieira como Sítio Natura 2000, é um passo importante para a conservação de cetáceos, embora ainda se aguarde a aprovação do Plano de Gestão do Sítio, que prevê a implementação de programas de colaboração com as frotas de pesca de modo a diminuir as taxas de captura acidental e a mortalidade de cetáceos”. Sobre o sítio Costa do Sudoeste, que passa a englobar uma área importante para a população de roazes, considera que é “também relevante para a conectividade ecológica e funcional entre os núcleos de boto no Sítio Maceda-Praia da Vieira e as zonas mais a sul da Península Ibérica, onde se tem registado uma redução drástica do número de indivíduos”.



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