Em duas audições na Assembleia da República, representantes das empresas de trabalho portuário de Setúbal e do sindicato dos estivadores locais (SEAL) informaram os deputados da situação actual das negociações sobre a redução da precaridade laboral no porto setubalense
Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logística

O presidente do Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logística (SEAL), António Mariano, rejeitou que os dois dias de descanso dos estivadores do porto de Setúbal possam ser gozados durante os dias normais da semana (de Segunda a Sexta). Esta posição foi manifestada no passado dia 19 de Dezembro, numa audição do SEAL na Comissão Parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas solicitada pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

António Mariano reagia assim ao que terá sido uma sugestão ou insinuação do representante da Operestiva, Diogo Marecos, feita na mesma Comissão Parlamentar no dia anterior. Para o presidente do SEAL, Diogo Marecos terá dado a entender que no quadro da Contratação Colectiva que está em negociação entre as empresas de trabalho portuário do porto de Setúbal e o sindicato, os fins-de-semana (Sábados e Domingos) podem ser dias normais de trabalho, podendo os estivadores gozar o seu descanso durante dias do resto da semana.

A questão relaciona-se com a necessidade de manter o porto em funcionamento ao fim-de-semana, que decorre da própria natureza da actividade portuária, e que ninguém questiona. Todavia, enquanto na perspectiva do SEAL, o Sábado e o Domingo serão sempre dias de trabalho suplementar, na visão sugerida pela Operestiva podem ser dias normais de trabalho. O que, não colocando em causa o direito dos estivadores a dois dias de descanso semanais, pode ter diferentes efeitos no plano remuneratório, por exemplo.

Na audição parlamentar em que esteve presente, no dia 18 de Dezembro, Diogo Marecos também abordou a questão da operação de carregamento de cerca de dois mil veículos da Autoeuropa que estiveram parqueados no terminal do porto de Setúbal para o navio La Paglia em Novembro, após questionado pelos deputados sobre o assunto e o papel da sua empresa e outras entidades no processo.

Nesse ponto, Diogo Marecos foi claro. Foi a Operestiva que contratou os trabalhadores que vieram substituir os estivadores habituais e que estavam indisponíveis para trabalhar, referiu. Os trabalhadores contratados “eram estivadores” e a operação não constituiu uma violação da lei da greve porque os estivadores habituais não estavam em greve, estavam apenas indisponíveis para trabalhar, dado que na qualidade de eventuais, não tinham um contrato em vigor, pelo que a sua atitude não terá consubstanciado uma greve, no entendimento de Diogo Marecos.

O representante da Operestiva reconheceu que a propósito dessa operação a empresa reuniu com a Autoeuropa e solicitou apoio policial à PSP e à Polícia Marítima para garantir a segurança da mesma. Mas negou que tivesse tido qualquer garantia do Governo e a participação de outros portos na operação. No dia seguinte, António Mariano, na mesma Comissão, negou que tais trabalhadores fossem de facto estivadores e manifestou desconhecer a sua origem, conforme tem vindo a defender desde sempre.

Perante a Comissão Parlamentar, Diogo Marecos insistiu em que foi a sua empresa que iniciou o processo de alteração da situação de excessiva precaridade laboral no porto de Setúbal e que comunicou aos trabalhadores a incapacidade da Operestiva para absorver todos os eventuais do porto setubalense. Só com o envolvimento de outras empresas de trabalho portuário foi possível recentemente, por acordo, diminuir o número de eventuais naquele porto.

O mesmo responsável também insistiu na natureza do trabalho portuário, que gera dias de intenso trabalho e necessidade de mais estivadores, bem como dias com reduzido trabalho e menos necessidade de trabalhadores, para justificar a precaridade laboral existente.

No dia seguinte, António Mariano, alegando um estudo do SEAL baseado em dados de ano e meio fornecidos pelas empresas de trabalho portuário, procurou contrariar esta tese. Segundo o SEAL, no período analisado, que não especificou (apenas tendo dito que foi um ano e meio), em 90 por cento dos dias, 93 estivadores teriam trabalhado. E isto numa perspectiva conservadora, sem considerar direitos a férias ou outros direitos compensatórios. O que é, no seu entendimento, mais uma prova de que o porto de Setúbal não é um porto de trabalho eventual, antes tendo uma necessidade de trabalho regular, carente de um quadro efectivo de estivadores muito superior ao que se verificava até agora.

Também no dia 18 de Dezembro, participou na audição parlamentar um representante da Sadoport, detentora em 60% da Operestiva, juntamente com a Navipor (40%), que foi incisivo na necessidade de que não se repita o que aconteceu no porto de Setúbal. “As empresas não gostaram”, referiu, aludindo aos clientes do porto, “e se não há navios, não há trabalho”, concluiu. “Agora, há que reconstruir”, sublinhou. Diogo Marecos, porém, considerou incerto o regresso de três empresas de transporte marítimo ao porto de Setúbal. São empresas que, em conjunto, representam cerca de 70% da carga ali movimentada e cujo regresso é considerado essencial para dar cumprimento à contratação dos estivadores nos termos recentemente acordados com o SEAL, designadamente, da segunda vaga, que contempla de 10 a 37 profissionais.

Sobre a forma como serão escolhidos os estivadores a contratar pela Operestiva, foi-nos dito que foi por acordo entre a empresa e o sindicato. Esse detalhe, “estando inserido no contrato, todo o seu conteúdo resultou de um acordo entre as Associações e o parceiro social”, referiu-nos a Operestiva. Quanto ao segundo grupo a contratar, a sua escolha “ficou regulada no acordo, também por cláusula” e será feita pela empresa, referiu-nos a Operestiva. Entretanto, desde esta semana que estão a ser assinados os primeiros 56 contratos sem termo previstos no acordo entre o SEAL e as empresas de trabalho portuário (Operestiva e Setulset).

Nestas duas audiências foram igualmente afloradas as questões da alegada discriminação e perseguição de membros do SEAL no porto de Leixões e a eventual necessidade de alterar a actual lei de trabalho portuário, aprovada com os votos favoráveis do PSD, PS e CDS, conforme acentuaram os deputados do PCP e BE, que estiveram contra.



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