Contratação imediata de 56 estivadores, mais 10 a 37 no curto prazo, bolsa de 36 eventuais, 75 dias para negociar um contrato colectivo de trabalho, fim da greve ao trabalho extraordinário em Setúbal, 1.400 euros mensais para os novos contratados e compromisso do Governo em mediar os conflitos pendentes noutros portos são as principais consequências do entendimento firmado entre a Operestiva e Setulset, de um lado, e o SEAL, do outro
Porto de Setúbal

As empresas de trabalho portuário de Setúbal, a Operestiva e a Setulset, chegaram a acordo com o Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logística (SEAL) sobre as condições laborais dos estivadores do porto de Setúbal. O acordo foi assinado na passada Sexta-feira, no Ministério do Mar, que mediou as negociações, numa sessão pública e testemunhada pela comunicação social.

Segundo divulgaram as partes, o acordo contempla a entrada por contrato de tempo indeterminado de 56 estivadores para o quadro das empresas – 48 para a Operestiva e 8 para a Setulset – e a contratação de mais 10 a 37 quando as empresas tiverem possibilidade. Esta segunda vaga de contratação, porém, tem um prazo mais definido: no curto prazo, diz o Ministério do Mar, dentro de 75 dias (até cerca do final de Fevereiro), que é o prazo para negociação do contrato colectivo de trabalho, referem outras fontes, com base no acordo. Durante esse período, o SEAL assume o compromisso de não apresentar nenhum pré-aviso de greve para o porto de Setúbal.

Sobre esse prazo, Diogo Marecos, que representou a Operestiva, foi um pouco mais vago, afirmando que essa segunda vaga de contratações ocorrerá “quando conseguirmos olhar para as cargas e havendo viabilidade económica”. O prazo até à conclusão do contrato colectivo de trabalho é também considerado importante para que as empresas recuperem e adquiram condições de contratação de que actualmente possam não dispôr.

A definição do que será a viabilidade económica, segundo fontes próximas do SEAL, poderá aferir-se pelo número de estivadores de facto necessários às operações portuárias e ao volume de horas de trabalho. A própria paralisação do porto pela paragem dos trabalhadores eventuais parece demonstrar que as operações requerem mais estivadores em permanência do que aqueles até agora em efectividade de funções.

Em todo o caso, António Mariano admitiu que o SEAL será sensível ao facto de as empresas terem perdido receitas com as paralisações, no que pode ser considerado uma alusão aos portos de Setúbal e Lisboa, onde o SEAL tem uma influência decisiva. Já no caso dos portos de Leixões e Caniçal, a exigência do SEAL será maior, porque face ao menor peso sindical que aí detém, menor tem sido o impacto da sua forma de luta na produtividade dos portos.

Sobre os números, António Mariano, presidente do SEAL, foi incisivo: “são 56, mais 37, mais os remanescentes, nem mais um”. Contemplado terá ficado também uma bolsa de 36 excedentários, mais ou menos fixos, que não estarão nos quadros e serão chamados sempre que necessário, com prioridade para os que já trabalham no porto de Setúbal sobre aqueles que ainda não o façam. As partes também acordaram num salário de 1.400 euros mensais para todos os estivadores que forem contratados.

Deste acordo, que é válido apenas para os estivadores de Setúbal, decorre também o fim da greve ao trabalho suplementar no porto setubalense. O que tem como consequência que permanecem as reivindicações e as respectivas formas de luta do SEAL para outros portos nacionais, designadamente o de Leixões, Caniçal (Madeira) e Lisboa, quer no plano da precaridade laboral, quer no plano das alegadas discriminações dos seus membros. Matérias para as quais o Ministério do Mar manteve a disponibilidade para servir como mediador. Mas o acordo pode ser mais abrangente, na medida em que, segundo tem sido referido, contempla também o arquivamento de processos disciplinares instaurados a elementos do SEAL noutros portos que não o de Setúbal. Um dado que não conseguimos confirmar.

 

Reacções

 

Para o Ministério do Mar, este acordo “permite que sejam alcançados os dois grandes objectivos traçados desde o início desta negociação: resolver a situação da precaridade existente no porto de Setúbal, que chegou a um ponto insustentável; e retomar a rota de crescimento do porto de Setúbal, como potenciador do crescimento económico e do emprego na Península de Setúbal e no País”.

Ana Paula Vitorino reservou ainda palavras de elogio às partes, ao mediador Guilherme Dray e ao Conselho Português de Carregadores, “entre os quais a SECIL, a CIMPOR, a Navigator e a Siderurgia Nacional que, ao invés de pressionar, perceberam a importância de criar condições para que se chegasse rapidamente a um acordo de paz permanente”. A Autoeuropa não é mencionada no comunicado do Ministério do Mar.

A Operestiva, felicitando o SEAL (que não retribuiu o elogio) e todos os operadores que “acederam em abrir vagas nos seus quadros permanentes criando assim uma solução mais abrangente”, lamentou, porém, “que só agora tenha sido possível chegar a um acordo, com todos os prejuízos económicos para trabalhadores, operadores e utilizadores do Porto, que o radicalizar de posições inevitavelmente trouxe”.

Diogo Marecos referiu ainda que a solução agora encontrada, que “permite reduzir os trabalhadores eventuais, o que é importante”, já tinha sido avançada pelas empresas de trabalho portuário há duas semanas.

Ana Gonilho, em representação da Setulset, agradeceu o papel do Ministério do Mar na qualidade de mediador, destacou que prevaleceu o bom senso e considerou que este acordo “vai servir as empresas, os trabalhadores portuários e os outros trabalhadores e empresas que dependem do porto de Setúbal”.

O SEAL, em nota na sua página no Facebook, nota que “este acordo levanta apenas as formas de luta relativas ao porto de Setúbal” e que “quanto aos demais portos existe um compromisso do Governo em manter a mediação para assim encontrarmos rapidamente um final para as perseguições e o assédio vividos noutros portos nacionais”.

António Mariano lembrou também que “o processo de Setúbal só avançou mais tarde porque as empresas de Setúbal não quiseram acompanhar o processo de negociação de Lisboa, porque senão já tínhamos acabado há dois anos” e que os números de contratados agora acordados foram colocados na mesa pelo SEAL no dia 2 de Julho de 2018, algo que afirmou poder demonstrar.

O Observador divulgou uma reacção atribuída a fonte oficial da Autoeuropa, segundo a qual a empresa se congratulou “com o sucesso do acordo para o porto de Setúbal” e agradeceu “o empenho do Governo, bem como dos operadores portuários e do sindicato dos Estivadores”.

 

As pressões

 

Na sessão pública de assinatura do contrato, com a presença de Ana Paula Vitorino, Diogo Marecos, Ana Gonilho, António Mariano, bem como de Guilhermo Dray (mediador) e Lídia Sequeira, presidente das administrações portuárias de Lisboa, Setúbal e Sesimbra, a ministra do Mar desmentiu pressões para a conclusão do acordo naquela data. “Não fizemos negociações sujeitos a pressões”, disse a ministra do Mar, acrescentando que o prazo de negociação foi curto e durante o qual todos os dias se deram “pequenos passos”.

Todavia, é credível que as pressões tenham existido. Segundo a ministra do Mar e António Mariano, o acordo estava concluído na Quinta-feira à noite, 13 de Dezembro. O presidente do SEAL referiu que foi ainda necessário aprovar o acordo em plenário dos estivadores de Setúbal antes de assinar o acordo. Na manhã da assinatura, a imprensa anunciava que o Governo terá admitido a requisição civil no porto de Setúbal. E desde Quarta-feira circulavam notícias de que a Volkswagen se preparava para enviar os motores da Alemanha para Espanha, em detrimento da Autoeuropa, se o conflito laboral não se resolvesse até ao final da semana.

Quanto à requisição civil, Ana Paula Vitorino desmentiu categoricamente que essa possibilidade tenha sido admitida pelo Governo. “Não houve intenção do Governo de aplicar a requisição civil, isso nunca esteve em cima da mesa neste caso, não foi equacionado”, insistiu a ministra do Mar. “O que nos moveu foi eliminar a precaridade em Setúbal”, referiu.

No mesmo dia da assinatura do acordo, porém, o Jornal Económico noticiava que o próprio António Costa ordenara uma análise jurídica à possibilidade de recorrer à requisição civil, prevista num Decreto-Lei de 1974, face à iminência de quebras nas exportações e a pressões da Volkswagen para resolver a questão da paralisação do porto de Setúbal, que há mais de um mês impedia o escoamento dos veículos montados na fábrica da Autoeuropa de Palmela.

Uma tese reforçada por declarações do ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, que sobre o assunto referiu que o Governo tem que ponderar “todas as possibilidades de pôr o porto a funcionar”, acrescentando “todas as possibilidades que, nos termos da lei, existem à disposição do Governo português”.

Em todo o caso, a requisição civil não faria sentido se considerarmos que no caso concreto do porto de Setúbal, na medida em que a grande maioria dos estivadores eventualmente visados com a medida nem sequer terão contrato de trabalho (são eventuais, a razão do seu protesto).

Outro foco de pressão pode ter sido a ameaça da Volkswagen de enviar os motores para Navarra em vez de Palmela se o porto de Setúbal não fosse desbloqueado até ao final da semana. Algo que parece ter surpreendido a ministra do Mar, segundo a qual a Autoeuropa estava ao corrente das negociações, bem como outras empresas que recorrem àquele porto.

Mas algo é indesmentível: dois dias depois dessa ameaça e no mesmo dia em que foi divulgada a possibilidade de o Governo decretar uma requisição civil, o acordo foi assinado.

A única pressão admitida como tal foi referida pelo presidente do SEAL. “As nossas pressões são as sensibilidades das pessoas que querem ver a sua vida melhorada e a justiça realizada”, referiu.

 

O que se segue

 

Depois do acordo assinado, no mesmo dia, à noite, na SIC Notícias, Ana Paula Vitorino admitiu prejuízos directos de 30 milhões de euros no porto de Setúbal, decorrentes desta paralisação laboral de 40 dias. Além do prejuízo para o porto e para o País, em termos de imagem e de expectativas de receitas que podem não se vir a registar pela preferência dos transportadores por outros portos face à incerteza da situação no porto setubalense. Mas admitiu que a normalidade da situação “é imediata”.

Por esse motivo, a principal preocupação nos próximos tempos será, como referiu a Operestiva, “normalizar a operação, regularizando a carga atrasada e na esperança que seja possível recuperar as linhas entretanto perdidas”. Se a primeira parte da equação parece facilmente exequível, a segunda nem tanto. E todos os envolvidos têm consciência disso, incluindo a ministra do Mar.

À Lusa, Diogo Marecos terá admitido que esperava que a partir de hoje já pudesse ser possível “carregar o primeiro navio com automóveis produzidos na fábrica de Palmela”. E que até ao final do ano poderá ser possível “assegurar o transporte das 22 mil viaturas, que representam cerca de 300 milhões de euros, e que têm um grande impacto tanto para a Autoeuropa como para as exportações portuguesas”. Mas o embarque começou ontem.

Outra consequência deste acordo, segundo o SEAL, é o compromisso do Governo de que numa semana os processos dos portos de Lisboa, Leixões e Caniçal estariam resolvidos. O Expresso refere um roteiro de trabalho de 10 dias, sem que durante esse período termine a greve ao trabalho suplementar nesses portos, mas cita fonte sindical segundo a qual as alegadas discriminações podem terminar, com o regresso ao trabalho extraordinário e a funções especializadas melhor remuneradas dos estivadores desses portos associados ao SEAL, que têm sido prejudicados nessa matéria, defende o sindicato.

Algo que só o futuro dirá é o ambiente de trabalho entre os estivadores do porto de Setúbal, que não será totalmente pacífico. Nem todos os eventuais foram admitidos, o que constituiu uma frustração para os excluídos depois da luta que travaram. Por outro lado, alguns já estavam como efectivos e não terão partilhado os sacrifícios dos colegas que se manifestaram, pelo que correm o risco de não ter a consideração dos que agora foram admitidos e que formam a maioria.

 

 



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