Duas reuniões em Novembro serão decisivas para o futuro da pesca na Europa e para os interesses portugueses. Numa sessão pública, a Sciaena antecipou aquelas que considera serem as principais questões a debater nesses encontros, incluindo a sobrepesca do atum patudo e o estabelecimento de oportunidades de pesca, vulgo quotas, para as espécies
Docapesca

Na última Quinta-feira, a organização Sciaena – Oceanos # Conservação # Sensibilização, dedicada à promoção da melhoria do ambiente marinho, realizou uma sessão pública para antecipar as principais questões que, na sua perspectiva, deverão merecer maior atenção nas duas reuniões internacionais sobre pescas que decorrerão este mês e nas quais Portugal deverá assumir um papel importante na defesa do atum e das espécies de profundidade, duas pescarias importantes para o nosso país.

Uma das reuniões é a da Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (CICTA – ICCAT em inglês), responsável pela gestão da pesca das grandes espécies pelágicas no Oceano Atlântico, que começa hoje em Dubrovnik, na Croácia, e dura até 19 de Novembro. Segundo a Sciaena, será uma “oportunidade para o ICCAT aumentar os seus esforços no combate à pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN – IUU em inglês)”.

Por outro lado, a organização entende que deve ser seguido um parecer do Comité Permanente de Investigação e Estatística do ICCAT (CPIE – SCRS em inglês) de 2018 sobre o atum rabilo oriental. Um parecer que, segundo a Sciaena, é “um apelo ao ICCAT para não enfraquecer as medidas de controlo e monitorização que estão em vigor, o que inclui manter: os limites de capacidade de pesca e de engorda; os tamanhos mínimos; as épocas de abertura e encerramento das pescarias de palangre, cerco e arrasto pelágico; e a definição de captura acessória como não mais do que 5% da captura total”.

O mais importante, porém, é a situação do atum patudo, cujo stock “está em mau estado e ameaça cair numa situação muito grave de sobrepesca”, refere a Sciaena. Segundo a organização, “é urgente que o ICCAT aprove medidas claras que permitam a sua recuperação, nomeadamente: um plano de recuperação que tenha pelo menos 50% de probabilidade de acabar com a sobrepesca em 2020 e 70% de probabilidade de recuperar o stock o mais tardar até 2028; uma captura total que não exceda as 50.000 toneladas; a redução da mortalidade de juvenis associada ao uso de Dispositivos de Concentração de Peixes (DCP – FAD em inglês); e uma monitorização melhorada da pescaria de palangre”.

Explica a Sciaena que “anos de sobrepesca, o declínio recente da população e práticas de pesca insustentáveis ameaçam a viabilidade e a rentabilidade a longo prazo das pescarias de patudo; uma espécie cujo stock o CPIE considera “em situação de sobrepesca desde 2015” e que tem vindo a piorar. O que é particularmente dramático “para as frotas de salto e vara dos Açores e da Madeira, para as quais esta espécie é essencial e que têm visto as suas capturas diminuir de forma dramática nos últimos anos”, refere a Sciaena.

Nem tudo serão más notícias, diz a organização, notando que “a recuperação do stock pode ser relativamente rápida, em grande medida devido a este atum crescer tão depressa”, mas que “isto só será possível se forem tomadas medidas robustas que reduzam a captura de juvenis em particular e o esforço de pesca sobre o todo o stock”.

A outra reunião será a do Conselho de Ministros de Pescas e Agricultura da União Europeia, em Bruxelas, nos dias 19 e 20 de Novembro, na qual deverão assumir importância as espécies de profundidade, como o goraz e o peixe-espada preto, importantes para Portugal, refere a Sciaena. Para a organização, “o Conselho de Novembro de 2018 é a última oportunidade para estabelecer limites de pesca de acordo com os objectivos de acabar com a sobrepesca até 2020, acordada na PCP” (Política Comum de Pescas).

“Tendo em conta que não existem estimativas de Rendimento Máximo Sustentável (RMS – MSY em inglês) para qualquer um destes stocks, o Conselho terá de aprovar oportunidades de pesca que sejam consistentes com a abordagem precaucionária”, “o que dará a estes stocks um grau de conservação comparável àqueles com estimativa de MSY”, refere a Sciaena.

Como não existe estimativa de MSY, “o parecer precaucionário do ICES não pode ser excedido”, pelo que “a lacuna persistente e contraproducente entre os pareceres científicos e as decisões políticas deve ser colmatada, de forma a os obter benefícios ambientais, económicos e socias de longo prazo decorrentes de uma gestão pesqueira sólida”, defende a organização. Isto implicará intensificar os “esforços para cumprir a legislação europeia e acabar com a sobrepesca o quanto antes e o mais tardar até 2020, bem como assegurar a implementação total da obrigação de desembarque a partir de 1 de Janeiro de 2019”, o que por sua vez “exigirá resistir a pressões para enfraquecer, adiar ou ignorar os requisitos da PCP, tais como remover Totais Admissíveis de Captura (TAC) ou adiar a definição de oportunidades de pesca em linha com os melhores pareceres científicos”, diz a Sciaena.

A propósito da remoção das TAC, as organizações de conservação consideram que isso “gera naturalmente uma situação em que as capturas desse stock podem ser ilimitadas, independentemente do estado do seu estado”, colocando “em causa o objetivo da PCP de acabar com a sobrepesca e recuperar todos os stocks”, diz a Sciaena. Além disso, “a remoção de TAC de stocks não-alvo ou menos importantes do ponto de vista comercial e da obrigação de desembarcar todas as capturas destas espécies não irá resolver o problema das rejeições, reduzir o desperdício nas pescarias ou estimular melhorias adicionais na selectividade, como é pretendido pela introdução da obrigação de desembarque”, acrescenta.

“Se a Comissão e o Conselho decidirem remover um TAC, as organizações de conservação exigem que seja implementado uma estratégia de gestão cientificamente validada, monitorizada e controlada, para assegurar que os objetivos da PCP relativos à mortalidade por pesca e biomassa são cumpridos”, refere a organização, sublinhando que tal “estratégia tem que assegurar que a taxa de exploração que gera o MSY não é excedida, que a biomassa do stock é recuperada e mantida acima de níveis capazes de gerar o MSY e que as medidas de salvaguarda adequadas são desencadeadas em resposta à evolução dos parâmetros biológicos e de capturas”.

Ainda sobre a reunião do Conselho, a Sciaena considera que ali deverão ser aprovados os limites de captura de acordo com os pareceres científicos para os stocks de profundidade explorados e com importância comercial para Portugal (imperadores, peixe-espada preto, goraz, abrótea-do-alto e espécies de tubarão de profundidade), “independentemente de a proposta da Comissão ir nesse sentido ou não”.



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