Ana Paula Vitorino aproveitou o lançamento da Cátedra Jean Monnet para desafiar a Comissão Europeia a rever o FEAMP. Marcelo Rebelo de Sousa associou-se ao evento e destacou a importância da Cátedra num momento de fortes desafios aos valores europeus. E a promotora do curso defendeu novas iniciativas da UE num contexto de globalização da importância dos oceanos
Cátedra Jean Monnet

A ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, considerou ontem que o Fundo Azul poderia “inspirar a próxima revisão do FEAMP (Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas) que, como se sabe, é muito restritivo em termos da sua aplicação, que se dirige prioritariamente às pescas e indústria de pescado”, acrescentando que o fundo deve ser mais abrangente ou que devem ser encontrados “outros mecanismos de financiamento que possam também abranger toda a economia azul”.

A posição da ministra foi manifestada numa intervenção proferida na sessão de abertura da conferência de lançamento da «Oceanide», a única Cátedra Jean Monnet dedicada ao mar em toda a Europa, parcialmente financiada pelo programa Erasmus e baseada na Universidade Nova de Lisboa (UNL), onde decorreu o encontro. Na mesa de oradores, a ministra estava acompanhada por João Aguiar Machado, Director-Geral para os Assuntos Marítimos e Pescas da Comissão Europeia (CE), Regina Salvador, professora catedrática da UNL e responsável pela «Oceanide», e por Ferreira Machado, vice-Reitor da UNL.

Na ocasião, Ana Paula Vitorino deixou igualmente desafios para melhorar a Política Marítima Integrada: “apresentar um modelo de desenvolvimento assente no crescimento azul e na protecção dos ecossistemas marinhos numa lógica de desenvolvimento macro-regional”, articulando-a “com o próximo quadro financeiro, em que todos os fundos europeus tenham uma importante expressão marítima”, “fomentar uma cultura de baixo carbono e de economia circular em todas as actividades da economia do mar”, “apostar na identidade e cultura marítima do Atlântico” e “promover cada vez mais o modelo de cooperação em torno de objectivos comuns, como são os da Agenda 2030 das Nações Unidas”.

A propósito da Cátedra Jean Monnet dedicada ao mar, a ministra do Mar felicitou Regina Salvador e a CE pela iniciativa, sublinhando que “é de facto um marco importante no ensino e na partilha de experiências associadas ao mar”. Elogiou também a CE pelo seu papel em prol do que considerou “a liderança que a Europa, e também Portugal”, têm “vindo a assumir a nível internacional em matéria de assuntos marítimos”.

 

Chefe de Estado elogiou opção pela  Europa

 

Quem também se associou ao lançamento da «Oceanide» foi Marcelo Rebelo de Sousa, através de uma vídeo-mensagem, saudando Regina Salvador e atribuindo ao plano curricular da Cátedra Jean Monnet uma legitimação não só na perspectiva académica, mas também na perspectiva dos valores e princípios de cidadania activa em que está ancorada, que fortalecem a “vocação marítima de Portugal e da União Europeia (UE)”. Um projecto que o Presidente da República considerou, desde logo, “uma certeza no panorama universitário português”.

Marcelo Rebelo de Sousa saudou igualmente os alunos que escolheram esta Cátedra, considerando que tal opção traduz uma escolha “por aquilo que a Europa representa enquanto património de valores comuns alicerçados num longo caminho percorrido em conjunto há muitos e muitos séculos”. Valores cuja memória inspirou “Jean Monnet e outros pais fundadores da Europa, hoje União Europeia”, referiu o Presidente da República, mas que hoje enfrenta sérios desafios, relacionados com o seu posicionamento geográfico entre “uma grande potência marcada pelo isolacionismo e uma outra grande potência que adopta uma estratégia diametralmente oposta” que se encontra “em afirmação política, económica e cultural em vários pontos do globo”, numa alusão aos Estados Unidos e à China.

O Presidente da República aproveitou para mencionar o que considera ser outro desafio da Europa, que consiste na ameaça do “populismo de cariz xenófobo, nacionalista, passadista, quando não racista, e também isolacionista”.

 

Propostas de Regina Salvador

 

A apresentação da Cátedra Jean Monnet, contudo, ficou a cargo da sua responsável, Regina Salvador, que a considerou vocacionada para “construir pontes baseadas no conhecimento partilhado, nas melhores práticas e avanços em matérias relacionadas com o mar”, visando funcionar como “agente cooperativo e dinâmico no plano dos oceanos e da economia azul, que estará no centro do nosso futuro comum, uma Europa marítima forte”.

Na sua intervenção, depois de mencionar a deriva da política internacional na direcção dos oceanos, motivada pela necessidade de proteger interesses relacionados com os recursos marinhos, e a emergência da UE como potência marítima improvável, justificada por uma linha costeira de 70 mil quilómetros (sete vezes maior do que a dos Estados Unidos e quatro vezes maior do que a da Rússia), 20 milhões de quilómetros quadrados de zona marítima, 500 biliões de euros anuais e 40% do seu PIB gerados pela economia marítima, entre outros argumentos, a investigadora defendeu a necessidade de algumas medidas por parte da Europa.

E destacou a necessidade de um acordo entre políticos e reguladores, “ansiosos por orientar incentivos à investigação e aos negócios em direcções eficientes e eficazes, por um lado, e entre empreendedores, investidores e negócios, ansiosos por reduzir riscos de tais investimentos potencialmente rentáveis e inovadores, por outro”. Regina Salvador defendeu também a necessidade de “uma melhor compreensão da fragmentada governação marítima europeia, em particular, da tensão entre a europeização dos mares regionais e a regionalização das políticas da UE”.

A responsável pela «Oceanide» defendeu igualmente uma boa governação para gerir a competição por espaço oceânico, existente entre diferentes agentes económicos e indústrias marítimas (navegação, construção naval, portos e serviços, por um lado, e pesca, aquicultura, turismo e energias offshore, por outro). Tal governação, se bem orientada, pode resultar na cooperação dos agentes, que podem beneficiar de uma aproximação integrada ao desenvolvimento de clusters marítimos. E defendeu ainda uma revisão de vários contributos e inovações, como concelhos de negócios marítimos e redes coordenadas de clusters marítimos.

 

Três painéis

 

O evento contou ainda com três painéis, dedicados aos «Novos Desafios do Mar Europeu» (1º), moderado por Teresa Pizarro Beleza, «Sectores da Economia Azul» (2º), moderado por Ferreira Machado, e «Certeza Jurídica e Segurança Marítima na Europa» (3º), moderado por Miguel Marques.

O primeiro incluiu Tiago Pitta e Cunha, CEO da Fundação Oceano Azul, Gonçalo Lobo Xavier, vice-presidente do Conselho Europeu Económico e Social, Rui Bettencourt, do Governo Regional dos Açores, e Adam Banaszak, membro do Comité Europeu das Regiões. O segundo contou com a presença de Bernhard Friss, da Direcção-Geral para os Assuntos Marítimos e Pescas da CE, Carlos Guedes Soares, do Instituto Superior Técnico, Patrícia Conceição, da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Contiental, António Nogueira Leita, presidente da Fórum Oceano, e Kim Kreilgaard, responsável pela delegação de Lisboa do Banco Europeu de Investimento. Finalmente, o terceiro painel teve como oradores Silva Ribeiro, Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, e Andrea Tassoni, da Agência Europeia de Segurança Marítima.



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