Fundação considera sistema de distribuição de quotas de pesca pouco transparente em Portugal. Além das críticas, faz sugestões que passam por mais informação e maior peso da frota de pequena pesca nas decisões sobre a distribuição de quotas
New Economics Foundation

No primeiro trimestre deste ano, a Fundação para a Nova Economia (New Economics Foundation, ou NEF), publicou um estudo («Who gets the fish? The allocation of opportunities in EU member States») no qual revelou que Portugal “não está a gerir as pescas conforme o interesse público” e que “pode fazer muito mais para garantir um acesso justo às unidades populacionais de peixes”.

Entre as críticas da FNE ao Governo, que é responsável pela distribuição de direitos de pesca em Portugal resultantes das negociações entre os Estados membros da União Europeia (UE), está a de falta de transparência no sistema português de pesca.

Conforme nos esclareceu Griffin Carpenter, da NEF, a questão da transparência é vista sob dois aspectos. Por um lado, como processo. “Actualmente é clara forma como as oportunidades de pesca são distribuídas?”, questiona a nossa fonte. Por outro, tendo em conta os resultados. “Actualmente é claro quem detém as oportunidades de pesca?”, pergunta Griffin Carpenter.

Se para a NEF, nalguns países, estas questões estão bem resolvidas, com bons resultados sob ambas as perspectivas, em Portugal “o desempenho é fraco, conduzindo a um mau resultado”, esclareceu-nos o membro da NEF.

Para o mesmo responsável, “existe pouca informação sobre como funciona o sistema de quotas”, o que se deve, quer “aos poderes de gestão, que foram atribuídos a organizações de produtores”, quer ao Governo, significando que “o processo de distribuição não é muito transparente para outros agentes interessados e para o público em geral”.

O nosso jornal contactou o Ministério do Mar para apurar se o Governo português tem alguma reacção a esta posição da NEF, até porque, segundo apurámos junto de fonte próxima da NEF, a Fundação terá enviado o estudo ao Executivo para lhe dar conhecimento, mas até ao momento ainda não obtivemos resposta.

 

O sistema português, segundo a NEF

 

Depois de analisar a distribuição das oportunidades de pesca nos Estados membros da UE, a NEF traçou um quadro do caso português, tal como fez relativamente aos restantes Estados. E concluiu que em Portugal, as quotas geridas pela UE, Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (ICCAT, na sigla em inglês), Organização de Pescas do Atlântico Noroeste (NAFO, na sigla inglesa) e Organização de Pescas do Atlântico Nordeste (NEAFC, na sigla em inglês) são depois distribuídas pelos navios com base no registo histórico.

“Estas quotas foram estabelecidas em diferentes épocas, a maioria há mais de 20 anos”, referiu Griffin Carpenter ao nosso jornal. “As quotas geridas pela ICCAR, NAFO e NEAFC são distribuídas por navios, enquanto no caso das TAC (total allowable catches) da UE, as quotas portuguesas são alocadas a navios somente quanto a stocks nos quais Portugal tem escassez, como o do peixe-espada e da pescada”, explicou-nos.

“Existem situações em que as quotas também são alocadas a segmentos da frota (cavala)”, refere o mesmo membro da NEF, acrescentando que “noutros casos, como o do peixe-espada, as quotas também podem ser geridas pelas organizações de produtores/associações de pescadores, sob decisão dos armadores”.

Explicou ainda que “todas as quotas alocadas aos navios podem ser transferidas ou trocadas entre os navios individualmente”. “No caso da NAFO e da NEAFC, as quotas são alocadas anualmente, usando uma chave de distribuição e publicadas na legislação nacional”, continua. “No caso das TAC da UE, a alocação anual para cada navio é publicada na legislação nacional e é válida para determinar a quota anual durante vários anos”, refere a mesma fonte, acrescentando que “as chaves de distribuição podem ser alteradas pela Administração, depois de ouvidos os principais armadores ou as associações”.

“As quotas ou as chaves de distribuição não podem ser vendidas pelos armadores e a Administração tem o direito legal de as revogar, especialmente se for necessário por motivos de sustentabilidade dos stocks”, refere o responsável da NEF, recordando ainda que “também existem TAC estipuladas entre Portugal e Espanha, como no caso da sardinha”, um “stock gerido a nível regional e não ao abrigo do sistema de quotas ou TAC da UE”.

O mesmo responsável nota igualmente que “algumas pescas, em particular os bivalves, têm quotas diárias”, baseadas “na dimensão dos navios e repartidas por três áreas de pesca: Norte, Centro e Sul”. “As licenças de pesca atribuem o direito de pescar estas espécies, que são particularmente importantes para a frota de pequena pesca”, referiu-nos.

 

As sugestões da Fundação

 

No estudo, a par das críticas ao sistema nacional, que caracteriza como baseado “na manutenção do status quo”, a NEF faz sugestões de alterações. Uma delas é passar a existir “um sistema online de troca de quotas entre pares”, que “poderia permitir que os pescadores de Portugal beneficiassem das novas tecnologias, enquanto exploram as suas áreas de especialização e os respectivos modelos de pesca”. E geraria “maior flexibilidade para os pescadores”, designadamente, no caso de um deles tiver “um excesso de quota numa das espécies mas procurar mais quota de outra”, refere Griffin Carpenter.

Outra sugestão é o melhoramento do acesso dos pescadores ao sistema. Para isso, o país deveria colocar algumas quotas num sistema nacional de reserva de quotas, visando “acomodá-las a novos pescadores”, refere o estudo da NEF. “Estas quotas poderiam ser alugadas a pescadores por um número de anos (8, no modelo dinamarquês), que tenham demonstrado um investimento significativo na indústria pesqueira (ou seja, na aquisição de navios)”.

O estudo recorda que actualmente os novos pescadores que queiram aceder a quotas são obrigados a adquirir navios com um histórico de capturas. “Isto cria uma barreira ao acesso e tende a sobrevalorizar os navios mais velhos, com maior registo histórico”, refere o documento.

O NEF também propõe integrar critérios sociais e ambientais na distribuição de quotas. Se assim for feito, quer pelas organizações de produtores, quer pela Direcção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), estaríamos a incentivar uma mudança nas prácticas de pesca. O que não sucede com o sistema actual, baseado no histórico de capturas, que embora estável, não promove “objectivos sociais e ambientais”.

Implementar uma taxa de desembarque e revogar a isenção do imposto sobre combustível são outras sugestões da NEF. Griffin Carpenter referiu-nos que “a gestão das pescas é demasiado cara e actualmente a indústria não partilha esse custo”, acrescentando que “algumas frotas são altamente lucrativas e deveriam estar a contribuir através de taxas de desembarque e, no mínimo, a dispendiosa isenção de imposto sobre combustível deveria ser removida”.

A NEF defende igualmente um melhoramento da representatividade da frota de pequena pesca, que por diversas razões, desde a falta de dados, carência de meios e heterogeneidade, “tem pouca interacção nas decisões de gestão”, refere Griffin Carpenter.

Na opinião de Griffin Carpenter, a frota de pequena pesca não está organizada e é negligenciada em Portugal. Embora existam algumas associações deste segmento, não têm capacidade de lobbying, o que significa que têm pouca voz em “decisões importantes, como quotas para pesca recreativa e gestão em terra (turismo, aquacultura, etc.)”, refere.

Finalmente, a NEF defende maior transparência na distribuição de quotas, através da divulgação pública do modo como as quotas nacionais e das organizações de produtores são repartidas, assim como do resultado dessa repartição, por exemplo, por via de um registo de quotas.

 

Alguns dados

 

Na sua análise sobre o sistema de distribuição de quotas de pesca em Portugal, a NEF considera alguns dados, assumindo que a frota de pesca nacional tem 8.205 navios registados e emprega 17 mil pessoas. Das mais de 8 mil embarcações, a maioria está baseada em Portugal continental, com 1.100 baseadas nas regiões de Madeira e Açores. E 90% são embarcações de pequena pesca (com menos de 12 metros de comprimento). A NEF refere também que muitos são navios envelhecidos e boa parte estão inactivos, mas que nos últimos anos, a frota pesqueira portuguesa tem sido lucrativa.

Segundo a NEF, as espécies mais importantes para a indústria de pesca nacional são a cavala, a sardinha e o polvo (que terá ultrapassado a sardinha como espécie mais valiosa em termos de desembarque, em 2014). Uma indústria que a NEF considera em declínio desde 1998 e um número de embarcações em queda desde 1988.



2 comentários em “New Economics Foundation critica distribuição portuguesa de quotas de pesca”

  1. Sérgio Mendonça diz:

    Se entendermos a pequena pesca como sendo a praticada por pescadores de pesca à linha, com cana ou rabeira, embarcada ou apeada então teremos que concordar com a NEF, esta está muito mal representada. Se falarmos de pesca recreativa então a sua capacidade para exercer pressão sobre os decisores políticos é praticamente nula, basta ver como esta actividade está nigligenciada em Portugal. É o parente pobre apesar de utilizar métodos de pesca sustentáveis (possibilita a selecção e libertação com vida da grande maioria dos exemplares), ter um impacto económico muito superior à comercial (existem estudos efectuados por outros países que o comprovam), ter um impacto social grande na medida em proporciona agradáveis convívios entre pares, em contacto com a natureza, com momentos de puro prazer e adrenalina à mistura. Vai de encontro à proposta da NEF quando propõe integrar critérios sociais e ambientais na distribuição de quotas.

  2. Estando envolvido numa Cooperativa da Pesca, com mais de 800 associados, dos quais só cerca de 120 são embarcações tem mais de 12 metros, considero que a pequena pesca está bem representada.
    Quanto à atribuição de quotas, ela está avalizada pelo setor, no entanto creio que podem ser melhoradas, no seio de cada subsector, como já propusemos, nomeadamente no caso da pescada a qual deveria ser dividida por trimestres. Assim toda a frota licenciada para a captura desta espécie sabia que se a quota trimestral acabasse antes do trimestre saberia que no trimestre seguinte haveria uma nova quota trimestral, com as seguintes vantagens adicionais
    1-Deixaria de haver uma pesca intensiva de todos, no inicio do ano, pois cada embarcação receia que a quota poderá acabar rapidamente.
    2-Se fechar antes do final do trimestre seria bom para o recurso e uma primeira alerta para o bom estado do recurso.
    3-Se não fechar no trimestre é um indicador do estado do recurso
    4-As embarcações tendo a garantia de que em todos os trimestres haverá uma nova quota, podem dirigir as suas pescarias para outros recursos, que nesses períodos abundam.
    5-Podem também dirigir a pesca para essa espécie nos períodos de maior valor comercial.
    6- Assim todas as embarcações licenciadas para essa pescaria teriam assim acesso durante todo ano ao recurso.
    Esta nossa proposta foi aceite pelos espanhóis que a puseram em prática bem como pelo Governo Regional dos Açores para a gestão da quota do Goraz.

Responder a FRANCISCO PORTELA ROSA Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

«Foi Portugal que deu ao Mar a dimensão que tem hoje.»
António E. Cançado
«Num sentimento de febre de ser para além doutro Oceano»
Fernando Pessoa
Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto.
Vergílio Ferreira
Só a alma sabe falar com o mar
Fiama Hasse Pais Brandão
Há mar e mar, há ir e voltar ... e é exactamente no voltar que está o génio.
Paráfrase a Alexandre O’Neill