Num encontro promovido pelo Sororptimist Clube de Setúbal, foi debatido o papel das mulheres nas profissões marítimas, com testemunhos de várias protagonistas femininas do sector
Mulheres no mar

A presença de mulheres em profissões relacionadas com o mar, tradicionalmente consideradas masculinas, ainda não tem o mesmo peso que a dos homens, embora essa realidade esteja a mudar progressivamente. Esta foi uma das conclusões da reflexão sobre oportunidades de formação e emprego para as mulheres na economia do mar, promovida em Abril pelo Soroptimist Clube de Setúbal, que ali esteve representado pela sua presidente, Fátima Évora.

As mulheres na formação

No plano formativo, Inês Falcão, Coordenadora do Núcleo Regional de Lisboa e Alentejo do FOR-MAR (Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar) admitiu que “estas áreas, do mar, não são de acesso fácil para as mulheres”, mas que com a certificação dos cursos STCW (Seafarer’s Training, Certification and Watchkeeping, um código da Organização Marítima Internacional, ou IMO, na sigla inglesa, que traduz os padrões internacionais das qualificações exigidas aos tripulantes para exercerem funções em navios), “começam a aparecer mais mulheres na formação”.

Num sector em que as mulheres não ultrapassam os 7% na formação do FOR-MAR, embora na pesca, sobretudo na pesca local, a presença feminina nessa formação corresponda a 8%, as carreiras no segmento dos cruzeiros parecem ser as mais apelativas para o género feminino actualmente. Inês Falcão considerou que o FOR-MAR procura ir ao encontro dessas necessidades e que hoje já “existem acções de formação com duas mulheres”, o que nem sempre foi uma realidade, e que “é positivo que assim seja”, admitindo que “tudo muda quando existem mulheres a bordo”.

As mulheres poderão também beneficiar das novas tendências na economia do mar, apresentadas por Miguel Marques, partner da PwC e um dos responsáveis pelo «LEME – Barómetro PwC da Economia do Mar», que sublinhou a emergência de novas oportunidades em profissões associadas ao mar, particularmente no ramo alimentar e no turismo, e que se reflectem na disponibilidade de entidades formativas para aumentarem a oferta neste sector.

Foi isso que afirmaram Helena Álvaro, presidente do Conselho Directivo da Escola Profissional de Setúbal (EPS), que manifestou disponibilidade da instituição para criar oferta nesta área, apesar de as profissões marítimas não serem actualmente ali trabalhadas, José Meneses Luís, Director do Centro de Emprego e Formação Profissional de Setúbal, que reconheceu que embora algumas ofertas formativas do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) não sejam concebidas para profissões ligadas ao mar, elas acabam por ser aproveitadas por empresas do sector, e Fernanda Pestana, vice-presidente do Instituto Politécnico de Setúbal (IPS), que recordou a oferta formativa relacionada com o mar daquela entidade, designadamente, na área das Tecnologias do Ambiente e do Mar, da Distribuição e Logística ou da Investigação (em tintas para a construção naval, por exemplo).

Quatro experiências

Na ocasião, quatro mulheres com quatro experiências profissionais diferentes ligadas ao mar partilharam as suas histórias de vida com a audiência: Laura Rodrigues, Directora-Geral da OPDR Ibéria, Raquel Gaspar, bióloga marinha e Gestora da Cooperativa Ocean Alive, Cristina Alves, comandante da marinha mercante e CEO da Portline Bulk International, e Maria da Luz Santos, presidente do Conselho de Administração da Rebonave.

Laura Rodrigues, a primeira portuguesa a ser contratada pela Maersk, recordou a resposta que deu a um anúncio da empresa quando a mesma decidiu instalar-se em Portugal e os dias que passou em formação interna sobre contentores, em Madrid. Entretanto, na OPDR, onde hoje trabalha, é responsável pela optimização de recursos, contribuindo para dispor a carga no espaço disponível dos navios.

Raquel Gaspar admitiu que o mar é a sua casa e lembrou a oposição do pai à sua vontade de ter uma carreira nesta área. Hoje, admite que tem a missão de alterar comportamentos em prol da protecção do mar, mas também que está cada vez fisicamente mais longe do mar, passando mais tempo ao computador, junto de pescadores ou de crianças.

Cristina Alves recuou no tempo para explicar que começou por estudar arquitectura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, antes de aproveitar o período conturbado da revolução de 1974 para optar por uma carreira como piloto de aviação comercial…que lhe foi recusada porque a função só estava disponível para homens. Fechada uma porta, outra se abriu, na Escola Superior Náutica Infante D. Henrique (ENIDH), onde permaneceu três anos, facilitados pelos conhecimentos que já tinha de vela. Hoje, à frente de uma empresa de transporte marítimo, chefia equipas comerciais, operacionais e de recursos humanos.

Da sua experiência de 11 anos embarcada, cumprindo sempre as mesmas tarefas que os colegas homens sem perder o seu estatuto feminino, mantendo a maquilhagem, por exemplo, destacou a diferença nas escalas. Noutro tempo, viajava-se por oito meses e “ficávamos mais tempo no estrangeiro”, o que permitia conhecer melhor outras culturas. Hoje, as viagens são mais curtas, permanece-se menos tempo nos portos e os próprios portos são mais semelhantes uns aos outros do que noutra época.

Maria da Luz Santos, depois da Setenave, concorreu para um cargo no Parlamento Europeu, foi selecionada, mas optou pela Rebonave, numa atitude que hoje reconhece ter sido audaciosa. Actualmente, tem responsabilidade na gestão comercial e de recursos humanos na Rebonave.

O peso do género

Cristina Alves, que sentiu pela primeira vez um tratamento diferente por ser mulher somente aos 19/20 anos, já depois da revolução de 1974, quando lhe recusaram a profissão de piloto aéreo, admitiu que ao longo da sua carreira sentiu mais o peso do género quando começou a trabalhar em terra.

Enquanto no mar os tripulantes dependem uns dos outros 24 horas por dia e está em causa a segurança de cada um deles, pelo que têm que confiar nos colegas, independentemente do género, em terra, além do trabalho, as mulheres têm que cuidar da casa, tratar dos filhos e ser sedutoras.

No entanto, o mar continua a ser um domínio mais masculino e há quem sinta discriminação em terra. Laura Rodrigues considerou que entre os armadores e nas agências de navegação “as mulheres estão mais limitadas”. E admitiu que “há uma fase da carreira em que se começa a ver que as mulheres não dão o salto, parece que há qualquer coisa que as impede de progredir”. Uma situação que se altera com a mudança de mentalidades.

Raquel Gaspar, por seu lado, entende que a desigualdade de género é uma discussão que não tem sentido. A competência deve ser o critério.

Na ocasião foi igualmente referido o trabalho de Fernanda Costa, Directora do Museu do Mar – Rei D. Carlos, em Cascais, que ali prestou o seu depoimento, destacando a sua pesquisa junto das mulheres da comunidade piscatória de Cascais no sentido de preservar a sua memória histórica, através da recolha de trajes, objectos, recortes de jornais ou fotografias.

No seu trabalho em busca dos costumes, tradições e crenças dessas mulheres, Fernanda Costa aproximou-se delas e hoje admite que é ”quase parte integrante de algumas das respectivas famílias”.



Um comentário em “As mulheres e o mar”

  1. Maria da Luz diz:

    Boa tarde, reiterando os meus parabéns à iniciativa da SOROPTIMIST, aproveito para corrigir a vossa notícia. O meu cargo na REBONAVE, é o de Presidente do Conselho de Administração. Em 1989, era Secretária na empresa SETENAVE, de onde saí directamente para a criação da REBONAVE, hoje empresa de destaque em todas as suas actividades de rebocagem e salvamento marítimos, classificada como PME Excelência e a única com certificação em qualidade, ambiente e segurança, situação da qual me orgulho como deve ter sido observado pelos que assistiram ao interessante debate.

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