Estudo sobre bio-incrustação em análise em publicação do grupo Nature
Bio-incrustação

Na última semana, foi publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature, um artigo de investigadores portugueses sobre um estudo de desenvolvimento de uma metodologia para sintetizar “novas substâncias inspiradas em produtos sulfatados de origem marinha, capazes de impedir a bio-incrustação em embarcações e com um reduzido risco ambiental”, refere o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da Universidade do Porto em comunicado.

O artigo teve como primeira autora Joana Reis de Almeida, investigadora no CIIMAR, e foi igualmente subscrito por Marta Correia da Silva, investigadora do CIIMAR e docente da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto e coordenadora do estudo, e ainda por docentes da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

Conforme explica Joana Reis de Almeida no comunicado, no estudo, “as substâncias sintetizadas apresentaram resultados promissores na inibição da adesão de larvas de mexilhões a estes substratos, uma das espécies de invertebrados mais problemática no processo de incrustação, sem demonstrarem toxicidade face a um invertebrado não alvo – Artemia salina”.

Segundo refere o CIIMAR da Universidade do Porto, “o mexilhão é uma das espécies principais associadas à bio-incrustação, dada a sua abundância, eficácia de colonização e fixação e tamanho dos indivíduos”, factores que contribuem “para que esta espécie colonize rapidamente e seja difícil de remover das estruturas submersas”.

A mesma instituição acrescenta que “os investigadores deste estudo consideram que os revestimentos mais ecológicos serão aqueles que inibem a fixação inicial dos estados larvares adesivos, tanto por sinais químicos repelentes interpretados pelas larvas, como pela própria acção destes nos mecanismos adesivos das mesmas”.

Ao nosso jornal, Marta Correia da Silva esclareceu ainda que “a síntese química é preferível à recolecção dos organismos do meio natural e à extracção dos compostos activos, por ser mais sustentável e amiga do ambiente, evitando a exaustão dos recursos naturais”. A investigadora explicou também que a ligação dos compostos sintéticos em desenvolvimento às tintas constitui objectivo do estudo.

Antes da sua inclusão em tintas, porém, “há que completar a investigação, através de ensaios de estabilidade dos compostos seleccionados, testando-se diferentes condições ambientais de forma a potenciar o seu uso em ambientes extremos (temperaturas elevadas e baixas, diferentes salinidades, condições de oxigénio extremas)”, esclareceu Marta Correia da Silva.

Segundo a investigadora, “será também importante testar a sua resistência à degradação biológica” e depois disso “há que usar diferentes matrizes e a forma de optimizar a ligação das moléculas a essas matrizes de forma a não perderam a bioactividade pretendida”.

Embora não possa ainda concretizar qual o valor potencial de mercado desta metodologia, algo que só “será possível numa fase mais tardia da investigação”, depois de escolhida “a forma de produção de grande escala das moléculas seleccionadas e das tintas em que estas serão incorporadas”, Marta Correia da Silva entende que “tendo em consideração o leque de aplicações previstas (transporte marítimo, turismo, aquacultura, energia marítimas) e o volume de negócios a nível mundial, estas aplicações terão um potencial económico muito elevado”.

Marta Correia da Silva explicou-nos que este estudo surgiu no âmbito de um projecto (PTDC/AAG-TEC/0739/2014) – o Overcoming Environmental Problems Associated With Anti-fouling Agentes: Synthesis of Nature-inspired Nontoxic Biocides and Immobilization in Polymeric Coatings – do qual é a investigadora responsável, “financiado pela Fundação da Ciência e Tecnologia (FCT/MCTES/PIDDAC) e pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do programa COMPETE – Programa Operacional Factores de Competitividade (POFC) -POCI-01-0145-FEDER-016793- e do programa Reforçar a Investigação, o Desenvolvimento Tecnológico e a Inovação (RIDTI) -projeto 9471-, com um total de cerca de 160 mil euros”.

 

Uma tecnologia importante para estruturas submersas

 

A tecnologia de ligação química de substâncias de origem ou inspiração natural para desenvolver aplicações anti-vegetativas numa matriz de base polimérica, como as tintas, “é outra linha de investigação que complementa a primeira, permitindo comprovar a viabilidade da sua futura aplicação com revestimento anti-vegetativo”, refere Marta Correia da Silva.

Esta tecnologia, que foi desenvolvida na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa com a qual o CIIMAR da Universidade do Porto estabeleceu uma colaboração, tem várias vantagens, como a prevenção da lixiviação (extracção dos componentes químicos de um mineral por acção de um fluido purificador) dos agentes anti-vegetativos para o ambiente, contribuindo para prolongar o efeito anti-vegetativo no revestimento e para poupanças económicas e ambientais nos sistemas industriais onde a bio-incrustação é um problema (navios, gaiolas de aquacultura, pequenas embarcações, entre outras). Está patenteada (WO2016/093719 A1) e foi inicialmente “desenvolvida para biocidas comerciais em tintas marítimas para navios no âmbito de um projecto FP7 (7º Programa Quadro, fundos Europeus), o FOULXSPEL – Environmentally friendly antifouling technology to optimize the energy efficiency of ships”, refere Marta Correia da Silva, com um financiamento aproximado de 2,7 milhões de Euros.

No CIIMAR da Universidade do Porto, “a investigação sobre substâncias de origem ou inspiração natural para desenvolvimento de aplicações anti-vegetativas tem vindo a ser financiada por vários projectos”, refere a investigadora. “As fontes de financiamento, além do projecto anteriormente referido, têm sido os programas NORTE 2020 – projecto INNOVMAR/NOVELMAR e Horizonte 2020 – projectos NOMORFILM e BLUEandGREEN, num total de cerca de 2,5 milhões de euros”, esclarece.

Este tipo de investigação reveste-se de particular importância para a indústria marítima, pelos benefícios que pode comportar para navios, plataformas offshore ou sensores, inibindo a adesão de micro e macro-organismos a superfícies artificiais submersas.

A bio-incrustação gera encargos elevados para a indústria marítima, quer na sua prevenção como no seu controlo. “Para além de provocar um aumento da corrosão de todos os materiais submersos, afecta também as actividades ligadas à navegação (diminuindo a velocidade do navio e aumentando o consumo de combustível), aquacultura (colmatação das redes e competição por alimento), energias marinhas (colmatação de tubagens de permutadores de calor), entre outras”, refere o CIIMAR da Universidade do Porto”.

 



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