Governo português não divulgou estratégia
Agrifishing

Hoje e amanhã, em Bruxelas, decorrerá o Conselho Europeu de Agricultura e Pescas, também designado Agrifish, no qual participam, entre outros, os ministros dos Estados membros da União Europeia (UE) responsáveis pelas questões do mar e das pescas. Portugal estará representado pela ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, acompanhada pelo secretário de Estado das Pescas, José Apolinário.

O Governo português optou por não antecipar publicamente a sua estratégia para o Agrifish, no entanto, de acordo com várias fontes, o Executivo seguirá uma via que procure combinar o interesse nacional com os objectivos de sustentabilidade das espécies.

Em três casos, Portugal deverá acompanhar as recomendações científicas relativamente às possibilidades de pesca para 2017, mas não foi possível detalhar nem confirmar esta informação. O stock de carapau, por exemplo, tem sido bem gerido nas águas portuguesas, referem alguns cientistas, pelo que pode conhecer um aumento de quota em 2017. Diz a Sciaena – Associação de Ciências Marinhas e Cooperação que “segundo um estudo recente, o stock de carapau ibérico é um dos mais bem geridos a nível da UE, com benefícios comprovados também a nível social e económico” e deverá ter um aumento em linha com as recomendações científicas.

No caso da sardinha, a ministra do Mar terá referido à Plataforma de Organizações Não Governamentais sobre a Pesca (Pong-Pesca), em reunião que manteve no dia 6 de Dezembro com esta organização, que relativamente à quota do ano que agora termina é possível que ocorra um ajustamento das possibilidades de pesca em 2017, visando compensar o valor fixado acima do parecer científico em 2016. A organização, no entanto, manifestou a sua preocupação com o estado dos stocks e a necessidade de seguir os pareceres científicos para que não se comprometa a pesca da sardinha a médio e longo prazo.

Durante o Agrifish, no plano das pescas, como habitualmente, estarão em discussão as possibilidades de pesca para o próximo ano e as espécies sujeitas a totais admissíveis de captura (TAC), num quadro que procura compatibilizar as preocupações ambientais, ou de sustentabilidade, com os interesses económicos do sector. Tais preocupações, embora pareçam contraditórias, completam-se.

À voz de cientistas e organizações não governamentais defensoras da preservação das espécies, que preconizam uma pesca controlada, há que somar a de pescadores e armadores, para quem restringir capturas significa, normalmente, menos rendimento. Actualmente, porém, face a evidências científicas, é consensual que em determinadas circunstâncias e relativamente a certas espécies, limitar as capturas de hoje significa proteger o rendimento de amanhã.

A Política Comum de Pescas (PCP) da UE reflecte este difícil equilíbrio e estabelece, logo no artigo 2º do Regulamento nº 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2013 e que entrou em vigor no ano seguinte, que “a taxa do rendimento máximo sustentável deve ser atingida, se possível, até 2015 e, numa base progressiva gradual, o mais tardar, até 2020, para todas as unidades populacionais”.

Considerando que o rendimento máximo sustentável (RMS) traduz uma situação de um stock sujeito a exploração mas que consegue manter níveis de reprodução saudáveis e garantir capturas de elevado nível a longo prazo sem risco de ruptura, o que a PCP determina é o fim da sobrepesca até 2015 ou, nessa impossibilidade, até 2020, de forma gradual.

Razões contra a sobrepesca

Numa sessão pública, Gonçalo Carvalho, membro da Sciaena, esclareceu que só era admissível não atingir a meta de 2015 se tal comprometesse “a sustentabilidade social e económica das frotas de pesca envolvidas” e desde que fossem “apresentadas provas desse risco e um plano para se alcançar o objectivo de RMS”.

Na mesma sessão, Gonçalo Carvalho admitiu que “os stocks de pesca da UE, de uma forma geral, não estão bem” e apresentou 10 razões pelas quais a Sciaena, que promove “a melhoria do ambiente marinho fomentando formas de exploração sustentáveis através da comunicação, educação e intervenção política” (vide site da associação), considera que deve ser posto um fim à sobrepesca.

Em síntese, a associação argumenta que o fim da sobrepesca permite a recuperação dos stocks de pesca, beneficia os pescadores, ajuda a restaurar a saúde do ambiente marinho, possibilita o consumo pelos europeus de mais peixe capturado localmente, aumenta a resiliência do oceano, facilita a gestão das pescas, respeita a lei (europeia), favorece a transparência, tem benefícios científicos comprovados e é uma responsabilidade dos decisores europeus.

Estes argumentos constituem um apelo ao cumprimento da lei, ou seja, dos acordos estabelecidos pela UE, por parte das instituições europeias, uma proposta para “criar uma receita anual adicional de 4,6 mil milhões de euros para a frota pesqueira da UE” e mais empregos, uma defesa da sustentabilidade do meio marinho, uma apologia do consumo de produtos locais (quase metade do pescado consumido na UE provém de águas de países terceiros, refere a associação) e uma reivindicação de maior transparência no processo de decisão relativo à definição dos limites de pesca.

Lenta evolução

Com base em estudos científicos, a Sciaena entende que “até ao momento, os Estados membros não estão a ser bem-sucedidos em acabar com a sobrepesca”. Nalguns casos terão havido progressos, noutros retrocessos.

A associação cita um relatório de 2016 da Oceana, uma organização internacional que promove a defesa dos oceanos, de acordo com a qual apenas 12% dos stocks existentes nas águas europeias cumprem cumulativamente os “requisitos da PCP: não estarem em sobrepesca e estar acima dos níveis biológicos de segurança”. A Oceana também refere que só 15% dos stocks europeus estão acima dos níveis biológicos de segurança e que 64% estão em sobrepesca.

Cita igualmente a própria Comissão Europeia (CE), segundo a qual o número de stocks explorado em linha com o RMS foi o mesmo em 2015 e 2016 (36, embora “entre os dois anos 8 tenham entrado na lista em 2016 e outros 8 feito o percurso inverso”, refere a associação) e o progresso dos stocks europeus para o RMS está a ser lento e tem de ser reforçado nos próximos anos.

Gonçalo Carvalho recordou que em 2015, Portugal pescou 815 toneladas acima do recomendado cientificamente e que em 2016 está a pescar entre 7 e 8 mil toneladas acima do que é recomendado cientificamente. Segundo a Sciaena, “em termos de percentagem da quota pesqueira, tendo em conta as diferentes dimensões das quotas, Portugal está entre os países que registaram os valores mais elevados de tonelagem bruta capturada acima do recomendado cientificamente, sendo um dos países que tem promovido o aumento de quotas pesqueiras acima do recomendado”.

Na mesma sessão pública, Gonçalo Carvalho referiu que para 2017 a CE recomendou quotas em linha com os pareceres científicos apenas em 35 de 69 stocks. A Sciaena adiantou também que desta vez “voltará a haver a introdução de top ups”,que são aumentos de quotas destinados a reflectir “a introdução de obrigações de desembarque”. Nesta matéria, a associação defende que se devem estabelecer top ups somente no caso de stocks “para os quais existam dados científicos que o justifiquem, em pescarias cuja monitorização total das capturas seja possível e sempre com um âmbito limitado, para não colocar em causa” as metas do RMS e “tornar públicos os cálculos”.

Relativamente a Portugal, “apenas 55% dos stocks são pescados a níveis que permitem atingir a taxa de RMS, sendo que os restantes stocks são explorados acima deste limite, ou ainda não foram suficientemente”, referem 100 “investigadores pela pesca sustentável”, como se auto-denominam, numa carta aberta à ministra do Mar.

Por seu lado, a Sciaena defende várias soluções para Portugal, como o acompanhamento do parecer do ICES para separar os stocks de tamboril, o estabelecimento de TAC individuais para as raias (defendendo aqui, tal como para o biqueirão, uma abordagem precaucionaria, ou seja, uma redução de 20% na TAC por escassez de informação), uma gestão dos lagostins conforme aconselhado pelo ICES, o acompanhamento da proposta da CE de 6.838 toneladas para a pescada (considerando que só parte da frota está sujeita à obrigação de desembarque e que por isso apenas é necessário um top up parcial), adoptar a proposta da CE (em linha com os pareceres científicos) para a pescada, os areeiros e tamboril e seguir os pareceres do ICES para a solha, a juliana, badejo e o linguado.

Transparência

À entrada de mais um Agrifish, a prudência na definição das possibilidades de pesca não é a única reivindicação feita ao Conselho. Transparência é outra palavra de ordem. Habitualmente, a CE faz recomendações ao Conselho com base em pareceres científicos, designadamente do Conselho Internacional para a Exploração dos Mares (ICES), uma entidade independente. E mesmo aí, a CE faz as recomendações baseada em unidades geográficas distintas das seguidas pelo ICES. Posteriormente, as propostas seguem para uma decisão à porta fechada pelo Conselho, sem passar pelo Parlamento Europeu, ao contrário de outras questões.

Na carta à ministra, os 100 investigadores referem que “a decisão final é tomada pelo Conselho em reuniões à porta fechada”, acrescentando que “de forma bastante frequente, as quotas são estabelecidas acima das recomendadas pelo parecer científico” e que “os ministros não são obrigados a apresentar os motivos destas decisões, o que impossibilita a sua compreensão”. Consideram também que “este comportamento anti-democrático desrespeita o trabalho feito pelos cientistas, e tem mantido um padrão de sobrepesca ao longo dos anos que também explica as dificuldades enfrentadas actualmente pelo sector das pescas”.

Segundo Gonçalo Carvalho, que a par da Sciaena alinha com esta argumentação, a UE, confrontada com esta questão, tem admitido que estão em questão “questões sensíveis”. Embora reconhecendo que podem estar em causa questões confidenciais, alguns críticos deste sistema consideram que o motivo para este comportamento pode assentar em compromissos assumidos por ocasião da entrada dos Estados na UE que impedem a divulgação pública de alguns conteúdos destas reuniões ou a apresentação de certos dados científicos.

Apesar das críticas, o Conselho Europeu mantém alguma partilha de informação com o público, conforme se pode verificar no site respectivo, incluindo acompanhamento por web-streaming de alguns minutos de reuniões. Não o suficiente, segundo os críticos. No caso do Governo português, manteve reuniões antes da realização deste Agrifish quer com representantes do sector (stakeholders), quer com organizações não governamentais defensoras dos oceanos e da utilização sustentável dos seus recursos pesqueiros.



Um comentário em “Conselho Europeu de Pescas começa hoje”

  1. Ernesto Melo Antunes diz:

    Bom dia,

    Gostaria de ter mais informação acerca dos Açores e Madeira que fazem parte do território Nacional e dão a dimensão marítima que Portugal beneficia.

    No caso dos Açores que conheço melhor, o setor das pescas terá forçosamente de passar por uma reestruturação profunda e séria. Se por um lado o setor não representa muito a nível Nacional, por outro é de importância estratégica para os Açores, tanto social como economicamente.

    Temos muitas espécies que claramente estão a ser sobre-exploradas e julgo ser seguro considerar que contam para 80% das receitas da pesca. Os Açores necessitam de dados claros e públicos do que se passsa com os stocks da Região e da sua frota pesqueira que em minha opinião e de muitos outros, está sobredimensionada.

    Preocupa-me que a estratégia de Portugal não seja conhecida e que tanto quanto a vossa notícia divulga, os Açores não têm ninguém na comitiva…

    Cumprimentos,

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