WWF

Os pescadores não terão sido “bem tratados” no Guia para consumo de pescado «Histórias por detrás do seu prato», lançado em Outubro pelo World Wild Fund (WWF), considerou Carlos Pratas, da Setúbal Pesca – Associação de Pesca Artesanal, durante uma intervenção num debate sobre o Consumo Sustentável de Pescado em Portugal promovido pela Escola de Hotelaria e Turismo de Setúbal (EHTS).

De acordo com Carlos Pratas, ”fez-se alguma confusão entre os pescadores e os industriais da pesca, e os pescadores não são responsáveis por tudo o que de mau acontece relativamente à sustentabilidade da pesca”. Para este responsável, existem graves responsabilidades nesta matéria que cabem aos grandes industriais da pesca, “geralmente protegidos pelos Governos e pela União Europeia”.

Em defesa do Guia reagiu Ângela Morgado, da WWF, que desmentiu qualquer vocação da publicação para criticar quem quer que fosse, pescadores ou industriais. “Só defendemos os recursos naturais”, referiu. O objectivo do Guia é informativo e para aconselhamento dos consumidores, embora contenha referências críticas à sobrepesca, classificando-a como “a segunda maior ameaça para os nossos oceanos, depois das alterações climáticas…”.

O Guia da WWF acrescenta mais dados alusivos à sobrepesca. Segundo ali se refere, 93% dos stocks do peixe do Mediterrâneo estão sobre explorados, 31% dos stocks globais de peixe estão sobre explorados e “a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada em breve poderá chegar até aos 26 milhões de toneladas, mais 30% da captura anual total do mundo”.

Apesar da crítica, a generalidade dos oradores considerou o Guia útil. Além de dados numéricos sobre a pesca, inclui referências técnicas sobre as espécies mais consumidas no nosso país (mexilhão, taínha, sardinha, carapau, pescada, peixe-gato, dourada, bacalhau, gamba e macua), receitas de chefs de diversos países, conselhos aos consumidores e recomendações da WWF sobre espécies certificadas.

Recorde-se que este Guia sobre consumo de pescado insere-se no projecto Fish Forward e foi lançado em 11 países europeus (Portugal, Áustria, Bulgária, Croácia, França, Alemanha, Grécia, Itália, Roménia, Eslovénia e Espanha). O Fish Forward é co-financiado pela União Europeia (UE) e visa a sensibilização dos consumidores, empresas e autoridades à escala europeia. Tem a duração de três anos (2015-2017) e desenvolve actividades de marketing, comunicação e investigação.

No âmbito do debate sobre hábitos de consumo de pescado, um dos oradores, Henrique João Santos, presidente da Associação de Comerciantes do Mercado do Livramento, em Setúbal, salientou que “sem a frescura do peixe, pouco importa a rastreabilidade”.

Para este responsável, apesar da importância que se quer atribuir à informação sobre rastreabilidade junto dos consumidores, seria mais útil aplicar recursos na melhoria das condições de frescura do peixe, quer nas lotas, quer nos navios, porque “é a isso que os consumidores dão mais importância” e “nem sempre o peixe vendido é fresco”.

A propósito da divulgação que se pretende com o Guia, Carlos Pratas colocou a questão de saber “o que ganham os pescadores com essa divulgação”. Elogiando a divulgação das espécies feita pela Docapesca, referiu que a informação não se deve limitar à cavala. “O mercado deve colocar outras espécies à disposição”, referiu. Porque o pescador só vai trazer aquilo que lhe comprarem e se o consumidor desejar outras espécies, são essas que ele vai trazer, independentemente de outras considerações. Trata-se da preocupação económica do pescador, que só traz o que lhe compram.

Neste ponto, Ana Paula Queiroga, da Docapesca, igualmente no painel de oradores, esclareceu que esta entidade defende a rastreabilidade e a diversidade. “Tentamos promover a integração de espécies locais diversas através do consumo de proximidade, designadamente, nos cabazes do peixe”, que incluem várias espécies interessantes do ponto de vista do comércio e da pesca local.

Quanto à rastreabilidade, Ana Paula Queiroga considerou que o que conta, do ponto de vista do consumidor, é o certificado de compra em lota. “E a informação cumpre o legalmente exigido”, referiu, acrescentando que “a lota é o indicador mais importante para o consumidor, algo que está demostrado por estudos”. A lota “é a referência de localização que mais interessa ao consumidor, embora o peixe possa ter sido pescado noutra zona”, referiu.

Num debate que contou ainda com a participação de Gonçalo Carvalho, da Pong-Pesca, Narcisa Bandarra, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), Paula Bollinger, fotógrafa e responsável pelo blogue EntreColheradas, Antonieta Duarte, da DECO, Vasco Alves, chef da EHTS, Rita Sá, da WWF, Laura Rodriguez, da Marine Stewardship Council, João Pereira, da Direcção Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), e Catarina Grilo (moderadora), da Gulbenkian Oceans Initiative, foram ainda feitas sugestões relativamente ao Guia da WWF, como a sua publicação regular, com actualizações, ou a referência à história dos peixes.



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